O Estado de S. Paulo
As siderúrgicas estão renovando por períodos trimestrais ou semestrais contratos com montadoras que historicamente têm vigência anual, conforme informações levantadas pelo Estadão/broadcast no setor automotivo. A mudança de periodicidade representa uma ruptura da tradição pela qual os acordos comerciais entre dois dos maiores setores da indústria brasileira são regidos.
Até então, a indústria do aço fixava um preço que era pago durante todo o ano pelos fabricantes de veículos, independentemente da volatilidade nas cotações das commodities. No entanto, com os preços em alta no mercado internacional tanto do produto que vendem quanto das matérias-primas que consomem, em especial o minério de ferro, o modelo deixou de ser vantajoso para as siderúrgicas.
No ciclo atual, em que a demanda supera a oferta de commodities, congelar preços por período prolongado significa desperdiçar oportunidades de rever para cima os valores cobrados dos clientes, assim como comprometer a rentabilidade, dada a valorização do minério de ferro. O caminho escolhido, então, foi encurtar prazos entre os reajustes.
Segundo levantamento da S&P Global Platts, agência que monitora as variações no valor de produtos siderúrgicos, o preço da bobina de aço laminado a quente mais do que dobrou de preço (alta de 130%) nos últimos 12 meses no mercado à vista (spot) do Brasil. Trata-se de um dos principais materiais usados na produção de automóveis, máquinas e eletrodomésticos, como geladeiras e fogões. Desde o início do ano, a alta foi de 46%, e a indústria do aço, como manifestou a direção da Usiminas em teleconferência com analistas em abril, vê espaço para mais aumentos nos próximos meses.
Comparação
Os preços pagos pelas montadoras, conforme relatos das próprias, estão próximos ou, a depender do contrato, acima do custo do aço importado, já colocando na conta todas as despesas até sua chegada à fábrica. A diferença não chega a ser, porém, significativa a ponto de deflagrar, pelo menos por ora, uma onda de importações.
Pelas dificuldades associadas à importação – como a exposição ao câmbio, volatilidade de preços spot e frete, além dos riscos de atrasos, mais frequentes na pandemia, dos já dilatados prazos de entrega do produto –, as siderúrgicas nacionais conseguem cobrar mais do que o preço internacional do aço convertido em reais.
Como essa diferença, o chamado prêmio, vem observando um teto de 10%, e como também não tem sido fácil encontrar disponibilidade de insumos siderúrgicos em mercados internacionais compatível com as necessidades das fábricas, a preferência das montadoras e de grandes fornecedores de autopeças tem sido pelo aço nacional.
A situação coloca o setor siderúrgico em posição, portanto, favorável para negociar preços. Ficará mais fácil aplicar novos reajustes se, quando sentar novamente com as montadoras – possivelmente dentro de um prazo de três meses –, a China tiver enxugado ainda mais a oferta global com as restrições impostas a usinas de aço para alcançar metas climáticas. No início deste mês, Pequim já tinha retirado estímulos às exportações do produto para reter mais aço no país.
Do lado das montadoras, a torcida será pela continuidade da recuperação recente do real, o que reduziria os preços dos importados, pressionando consequentemente o aço doméstico.
“Em conjunto”
De acordo com informações compartilhadas por departamentos de compra de diferentes grupos automotivos, o encurtamento nos prazos para revisão de preços é um movimento “em conjunto” feito pelas siderúrgicas. Arcelormittal, Usiminas e CSN são os maiores fornecedores das montadoras.
Procuradas pelo Estadão/broadcast, a Usiminas respondeu que faz negociações diretamente com cada cliente e que não detalha sua política comercial, enquanto a Arcelormittal disse que não comenta contratos com seus clientes. A CSN, por sua vez, não deu retorno aos pedidos de esclarecimento até a publicação desta matéria. (O Estado de S. Paulo/Eduardo Laguna)