Como o transporte urbano deve mudar no pós-pandemia

O Estado de S. Paulo

 

Dos ônibus lotados às calçadas estreitas, os problemas de mobilidade urbana percebidos no início da pandemia continuam nas cidades brasileiras mesmo após mais de um ano. Especialistas e iniciativas em outros países têm apontado alguns caminhos para mudar esse cenário, como a multimodalidade, o urbanismo tático e melhorias na gestão e no financiamento do transporte coletivo.

 

Essas transformações são temas do Summit Mobilidade Urbana, congresso virtual que será realizado de 17 a 21 de maio. A participação é gratuita mediante inscrição no summitmobilidade.estadao.com.br.

 

“São várias as mudanças que passaram a ser demandadas, haja visto o papel que o transporte teve na potencialização da pandemia”, explica a urbanista Renata Cavion, subchefe do Departamento de Engenharias da Mobilidade da UFSC e participante de um dos painéis do Summit. Ele destaca que as projeções atuais seguem apontando para um aumento na população de áreas urbanas, principalmente nos países em desenvolvimento, “o que coloca uma pressão enorme sobre as infraestruturas urbanas.”

 

No caso brasileiro, uma melhora passa por uma série de fatores, como o crescimento horizontal das metrópoles (o que leva grande parte da população a morar distante do trabalho), por exemplo. “Aspectos como comportamento da população, cultura política, porte das cidades, distâncias percorridas, contrastes sociais, evolução urbana, entre outros aspectos, precisam ser levados em conta para entender os desafios das cidades brasileiras e o seu atraso nos tempos de resposta às demandas urbanas”, explica a professora.

 

Pelas diferentes características e demandas de deslocamento que uma cidade pode ter, a melhoria na mobilidade passa pela aposta não em um único tipo de transporte. “Dificilmente um único modal vai conseguir suprir a complexa gama de necessidades de deslocamento em uma cidade. E nem todo modo vai servir para todas elas”, comenta. E acrescenta: “Ter mais opções de escolha modal – que estejam adequadas à demanda –, bem como as novas tecnologias, devem provocar uma maior competição entre os diferentes modos de transporte, trazendo melhorias significativas para as cidades.”

 

Mobilidade ativa

 

Com a necessidade do distanciamento social e de evitar o compartilhamento de espaços fechados com outras bolhas sociais, deslocamentos se tornaram mais curtos e individualizados na pandemia. O deslocamento a pé, de bicicleta e outros modos ganharam espaço por reduzir a exposição ao covid-19 e atender a trajetos curtos para comércios e serviços básicos.

 

O incremento desta infraestrutura foi uma aposta de grandes capitais pelo mundo, como Barcelona, Nova York, Bogotá e Buenos Aires. Isso está sendo feito em grande parte por meio do “urbanismo tático”, que prevê intervenções rápidas e baratas, apenas com o uso de tintas, cones e afins para delimitar o uso do espaço que era do carro.

 

“Não envolve obra ou uma infraestrutura maior”, explica a doutora em Mobilidade Ativa e urbanista Meli Malatesta. Segundo ela, para ganhar mais espaço e evitar problemas legais, esse tipo de intervenção deveria ser reconhecido no Código de Trânsito Brasileiro.

 

“Antes da pandemia, já estava iniciando um processo de reversão de paradigma, onde os modos ativos e sustentáveis já ganhavam um destaque maior dos especialistas, até como políticas públicas”, reitera. Gestores e estudiosos, diz ela, já haviam percebido que “as políticas que privilegiavam o transporte motorizado individual não estão sendo eficazes.”

 

Ou seja, a tendência é que o desenho das vias não seja mais tão pensado a partir dos carros, como hoje. Nessa mudança de paradigma, o deslocamento por carros é visto como uma das opções em meio a outras. Malatesta lembra outra mudança precisa passar pela formação e educação do condutor de veículo automotor. “Ele não é preparado para conviver de forma harmoniosa com a bicicleta e o pedestre”, comenta a urbanista.

 

O que se defende é que o transporte deixe de ser tratado como serviço e passe a ser visto como direito, o que a Constituição Federal prevê desde 2015, destaca Rafael Calábria, coordenador de Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e participante da programação do Summit.

 

“Antes da pandemia, já se iniciava uma reversão de paradigma. Modos ativos ganhavam destaque”, Meli Malatesta doutora em Mobilidade Ativa. (O Estado de S. Paulo/Priscila Mengue)