O Estado de S. Paulo
A startup espanhola Cabify anunciou ontem que irá encerrar sua operação no Brasil a partir do próximo dia 14 de junho. Em comunicado a clientes, a empresa disse que a saída foi uma “decisão de rentabilidade” e afirmou que a persistência da pandemia no País dificultou a criação de valor dos seus serviços de carona compartilhada.
Rival do Uber, a Cabify oferecia seu serviço de transporte no Brasil desde 2016. Os outros mercados em que a empresa atua, porém, continuarão ativos – hoje a startup opera na Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, México, Peru e Uruguai.
Em nota, a empresa afirmou que, em países da América Latina e na Espanha, os índices de recuperação pré-pandemia chegaram a 75% no fim de 2020 e a demanda chegou a 100% neste ano. A Cabify não revelou como foi o desempenho no Brasil.
“Todos os motoristas parceiros, passageiros e empresas que utilizam seus serviços no País foram devidamente informados, e a Cabify tem transmitido sua gratidão pela confiança depositada na empresa nos últimos cinco anos. A empresa continuará atenta às necessidades e oportunidades futuras de mobilidade neste mercado”, declarou a startup, em nota.
Fundada em 2011, em Madri, a Cabify encontrou no Brasil um mercado altamente competitivo, com companhias como o Uber e a 99, que investiram pesadamente no País. Inicialmente, para se diferenciar dos concorrentes, a Cabify tentou manter um posicionamento mais “premium” por aqui.
Em 2017, a empresa deu outro um passo importante ao comprar a Easy – então uma das mais conhecidas plataformas de transporte no País, focada em táxis. Porém, nesse processo, a Cabify teve dificuldades para encontrar seu espaço por aqui até mesmo antes da pandemia, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão.
Patinou. Para Ciro Biderman, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a pandemia foi um choque inesperado que prejudicou uma companhia que já vinha mal das pernas ao utilizar um modelo de negócio rígido (sem tarifas dinâmicas e com motoristas mais qualificados), em comparação com as concorrentes, que têm modelos mais flexíveis com opções de viagens padrão e premium.
Além disso, na visão de Paulo Furquim de Azevedo, professor de negócios do Insper, a Cabify sentiu na pele uma característica do mercado de plataformas digitais de mobilidade. “É um setor com espaço para poucas empresas. Ganha o jogo quem tem mais capilaridade, com maior número de motoristas e passageiros. A Cabify não conseguiu alcançar uma massa crítica de usuários consistente.”
Sobrevivência. Apesar de os aplicativos de transporte como um todo estarem sofrendo com o impacto da pandemia, alguns conseguiram segurar as contas diversificando serviços. O Uber, por exemplo, registrou no último trimestre de 2020 um crescimento de 224% em receita da divisão de serviços de delivery, que inclui entrega de comida, objetos e compras de mercado. É uma área em que a 99 também está apostando.
A Cabify, por sua vez, apesar de ter tentado, nunca conseguiu fincar os pés no mercado brasileiro de delivery. Talvez tenha sido falta de fôlego. “Em tempos de crise, negócios rentáveis no longo prazo podem até mudar de dono e se adaptar, mas persistem”, diz Azevedo. “Outros apps conseguiram fazer isso”. /
“Quando veio a pandemia, a Cabify não teve fôlego para aguentar uma operação tão reduzida”, Ciro Biderman, professora da Funtação Getulio Vargas (FGV). (O Estado de S. Paulo/Felipe Laurence, Guilherme Guerra e Giovanna Wolf)