O Estado de S. Paulo
Há quatro anos no comando da Toyota do Brasil, o peruano Rafael Chang é mais um executivo que coloca a vacinação contra a covid-19 no topo da lista de medidas a serem tomadas para que a economia volte a crescer. Em sua opinião, uma autorização para as empresas comprarem o imunizante para seus funcionários ajudaria a acelerar o processo.
Chang também reforça a necessidade urgente das reformas tributária e administrativa para ajudar as empresas a serem mais competitivas. “Mais competitividade significa mais acesso da população aos produtos. E isso vai criar demanda que, por sua vez, gera produção, que resulta em empregos e renda. As empresas também vão gerar mais tributos para o Estado investir em obras”, diz o executivo que, no momento, tenta convencer a matriz japonesa a liberar novos investimentos para o País.
O que o País precisa para iniciar um processo mais consistente de recuperação econômica?
Uma questão de muito curto prazo é a pandemia. Todos nós, empresas e população, esperamos sair disso o mais rápido possível. Para isso é preciso que a velocidade da vacinação seja prioridade. Paralelamente acho que todos precisam respeitar os protocolos e, mesmo com a vacina, manter os cuidados.
Além da vacina, o que mais precisa ser feito?
O País precisa continuar o caminho das reformas. Nos últimos dois anos, a reforma da Previdência e a trabalhista foram os primeiros passos nesse caminho e todo mundo agora está esperando a reforma tributária e a administrativa. A reforma tributária vai trazer simplificação e mais efetividade para o sistema tributário e, principalmente, competitividade. Esse é um ponto chave para que a retomada seja mais rápida. Mais competitividade significa mais acesso da população aos produtos. E isso vai criar demanda que, por sua vez, gera produção, que resulta em empregos e renda. As empresas também vão gerar mais tributos para o Estado investir em obras do setor público. Essa espiral positiva pode ser acelerada com a reforma tributária. E a competitividade vai ajudar as empresas a promoverem mais exportações, que é outro fator fundamental para a economia brasileira crescer.
Reforma tributária é uma demanda antiga. O sr. acha possível que ainda seja feita pelo atual governo?
Espero que sim. Para isso seria preciso uma articulação dos poderes Executivo e Legislativo para procurar uma saída e verdadeiramente implementar essa reforma que acho que todo mundo concorda (ser necessária).
Só reduzir a burocracia já está bom ou precisa reduzir impostos?
Entendemos que o governo precisa ter um nível de arrecadação para investimentos públicos. A simplificação já é importante porque vai ajudar a melhorar a eficiência das empresas.
O presidente da Anfavea (associação das montadoras), Luiz Carlos Moraes, disse recentemente que ‘tem gente em Brasília só pensando nas eleições’, por isso medidas mais urgentes acabam ficando para trás. O sr. concorda?
É verdade, mas isso é parte do ciclo político do Brasil a cada quatro anos.
A Toyota está conseguindo exportar seus veículos?
O Corolla Cross, que acabamos de lançar, é nosso primeiro produto que será exportado para 22 países da América Latina e Caribe. O Corolla sedã vai para cinco países. Isso contribui para manter nossas fábricas rodando e para trazer divisas ao País. O nível do mercado doméstico é grande, mas temos de pensar além disso. Nós pelo menos já começamos a exportar para esses novos mercados, mas gostaríamos também de cruzar o oceano e vender para outras regiões.
O que é preciso para exportar para outras regiões?
No Brasil temos uma capacidade total de produção na indústria automotiva de quase 5 milhões de veículos por ano e o mercado doméstico, se nossa projeção der certo, será de 2,5 milhões de unidades. Os outros 2,5 milhões teriam de ser preenchidos com exportações, mas nós concorremos com a produção de outras regiões do mundo. Acho que a questão da reforma tributária ajudaria também nesse processo, pois nossos produtos seriam mais competitivos. Outro fator que falamos muito é o custo Brasil – logísticos, trabalhista etc. E o terceiro é olhar as tendências que o mundo está seguindo, sobretudo na questão do meio ambiente, do carbono zero. Dentro do tema competitividade falamos muito da necessidade de previsibilidade para podermos definir investimentos. Sei que a economia e a política mudam, e temos de surfar com essas movimentações, mas para realizar investimentos da magnitude que fazemos, precisamos ter certa previsibilidade. Por exemplo, o mundo está se movendo para tecnologias de energia limpa. Será que o governo brasileiro, junto com a indústria, não precisa rever a política industrial do setor automotivo para o médio e o longo prazo?
O setor automotivo iniciou o ano esperando recuperação de vendas e de produção, mas a pandemia se agravou e, além disso, tem o problema da falta de peças. Como o sr. vê o cenário agora?
O momento é desafiador, mas gosto sempre de olhar a situação como um copo meio cheio. Se comparamos com seis meses atrás, está melhor. A recuperação do mercado está sendo mais rápida do que esperávamos, não só para a da indústria automotiva, mas para a indústria em geral. A falta de aço, de papelão para embalagens e outros componentes é sinal disso. A escassez traz alguns problemas para a cadeia de produção, mas acho que é melhor do que ter uma recuperação mais devagar. Eu mantenho nossa projeção de que o mercado vai para 2,5 milhões de veículos, pode ser um pouco mais ou um pouco menos (no ano passado foram 2 milhões de unidades).
Como o sr. vê a atuação do governo no combate à pandemia?
Prefiro não olhar para o passado e sim para a frente. Seria bom se todos os setores das áreas política, empresarial, pública e privada juntassem esforços para acelerar a vacinação. Sei que tanto o governo federal quanto os governos estaduais estão fazendo o possível para trazer vacinas. Também há uma iniciativa para que o setor privado participe. Obviamente queremos respeitar o sistema público de imunização, mas se cada ator público ou privado pudesse contribuir no processo seria bom.
Como a indústria pode contribuir?
Se abrirem a possibilidade de o setor privado poder comprar vacinas podemos entrar nesse processo e com certeza ajudaria. Estamos abertos a doar uma parte para o sistema de saúde brasileiro se for preciso, pois acho que contribuiria para acelerar o processo de vacinação. A Anfavea está coordenando a discussão desse tema com o governo.
Há riscos de todas as montadoras pararem por dois meses, como ocorreu no ano passado?
Espero que não, mas vai depender de como a pandemia evoluir.
O sr. é favor do lockdown?
É uma resposta difícil. Acho que a prioridade é a saúde e a segurança dos nossos funcionários e acho que estamos gerenciando isso de maneira apropriada. Não é uma crítica, pois não estou em posição de criticar ninguém, mas com esse abre e fecha é difícil gerenciar uma operação.
Como a matriz no Japão vê o Brasil atualmente?
Sempre falamos da nossa filosofia de médio e longo prazo. A Toyota tem mais de 60 anos de Brasil e durante todos esses anos tivemos altos e baixos, mas normalmente a matriz acredita no Brasil e na América Latina. Nós também temos de fazer nosso dever de casa, trabalhar na otimização das nossas operações, na redução de custos, em localização de peças. Muitos me perguntam, por exemplo, por que a Toyota investiu no desenvolvimento de carros híbrido/flex – é uma demonstração de que a matriz acredita no Brasil.
O presidente da Anfavea também disse que o ambiente político e econômico assusta as matrizes e pode atrapalhar decisões de investimentos. A Toyota está negociando novo plano de investimentos para o Brasil?
Com o Corolla Cross finalizamos o ciclo de investimentos de R$ 6 bilhões entre 2010 e 2020. Esse aporte inclui a construção das fábricas de Sorocaba e Porto Feliz, a modernização da planta de Indaiatuba para produzir a nova geração do Corolla e a construção de um centro de design em São Bernardo do Campo. Mais recentemente fizemos mudanças em Sorocaba para produzir o Corolla Cross. Agora estamos justamente no processo de avaliação do nosso próximo ciclo de investimentos para novos produtos. Há uma concorrência dentro da matriz de onde investir, se na Coreia, na China, na Tailândia, no México, na Turquia… E temos de mostrar que o Brasil é competitivo. Por isso é importante essa conversa que estamos tendo sobre competitividade com diversos atores, com o governo federal e o estadual, com quem temos, por exemplo, um acúmulo de ICMS não devolvido. Entendemos que esse problema não vai ser resolvido agora, mas é uma pauta que também está nas conversas.
A matriz coloca condições para o novo investimento?
Todo investimento tem de gerar lucro, pois a matriz espera um nível de retorno. Estamos fazendo nosso dever de casa, fazendo nossas operações mais eficientes. O governo, porém, tem de acelerar o processo de reformas e criar um ambiente de previsibilidade para que os investimentos ocorram.
Há risco de a matriz escolher outro País para produzir novos modelos em vez do Brasil?
Risco sempre existe.
Quem é Rafael Chang: O executivo de 53 anos é formado em engenharia industrial pela Universidade Pontifícia Católica do Peru, país onde nasceu. Está na Toyota há 28 anos. Iniciou a carreira na unidade peruana em 1993, na área de vendas. Quatro anos depois assumiu a gerência de marketing, passando ainda pela gerência de vendas e da divisão comercial. Em 2011 foi para o Japão, onde chefiou o departamento de vendas e marketing da divisão América Latina e Caribe. Retornou à região em 2016 como vice-presidente da Toyota Venezuela e, no ano seguinte, assumiu a Toyota do Brasil, que foi a primeira filial do grupo fora do Japão. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)