O Estado de S. Paulo
A combinação do aumento de casos de covid-19 com a falta de componentes levou ao fechamento de metade das 60 fábricas de montadoras no País nas últimas duas semanas e 65 mil funcionários ficaram em casa, o equivalente a 60% da mão de obra do setor, sem contar o pessoal que já estava em home office.
A maioria retomou atividades na segunda-feira, mas dez seguem fechadas, com um total de 5 mil trabalhadores em licença ou férias coletivas. Novas paradas podem ocorrer nas próximas semanas em razão da escassez de semicondutores, problema também gerado pela pandemia e que afeta a indústria global.
O problema da falta de chips, que já paralisou fábricas em vários países desde o fim do ano passado, ainda não foi resolvido, informa o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, e a previsão é que se estenda até o fim do ano.
A General Motors vai manter a fábrica de Gravataí (RS) fechada pelo menos até o fim de maio. É lá que o Onix, carro mais vendido no mercado brasileiro por vários anos seguidos, é produzido. Com a paralisação das linhas, ocorrida no início de março, o modelo está em falta e ficou em terceiro lugar em vendas no mês passado, atrás da picape Fiat Strada e do compacto Hyundai HB20.
A fábrica do grupo em São José dos Campos (SP) opera com apenas um turno na linha da picape S10 e 600 funcionários estão em lay-off (com contratos suspensos) inicialmente por dois meses, mas podendo se estender por mais tempo. Já a unidade de São Caetano do Sul, no ABC paulista, que produz o SUV Tracker, entre outros modelos, parou uma semana para acompanhar a Prefeitura local, que antecipou feriados para tentar conter o avanço da covid-19.
Assim como a GM, outras 13 fabricantes, com um total de 30 fábricas, ficaram paradas de sete a 12 dias, entre as quais Volkswagen, Renault, Toyota, Hyundai, Mercedes-Benz, Scania, Volkswagen Caminhões e Ônibus e Volvo. Entre as que só retornam na próxima semana estão Nissan, Honda e Jaguar Land Rover. A Mercedes-Benz retomou atividades na segunda-feira, mas está fazendo um rodízio em que a cada 12 dias um grupo de 1,2 mil trabalhadores entra em férias coletivas.
Números
Apesar das paralisações, a produção de veículos em março somou 200,3 mil veículos, incluindo caminhões e ônibus, uma alta de 1,7% em relação a fevereiro e de 5,5% na comparação com março do ano passado, quando teve início a pandemia de covid-19. No acumulado do trimestre foram fabricadas 597,8 mil unidades, queda de 2% em relação ao mesmo período de 2020.
“É um resultado interessante, tendo em vista o cenário atual”, avalia o presidente da Anfavea, ressaltando que março teve três dias úteis a mais que fevereiro e que ainda há carros incompletos nas fábricas à espera de algum componente.
Mesmo com parte das concessionárias fechadas por medidas restritivas em vários Estados, foram vendidos no mês passado 189,4 mil veículos, também com melhora de 13,1% ante fevereiro e de 15,7% ante março de 2020. No trimestre, a queda é de 5,4% ante 2020, para 527,9 mil unidades.
Ambiente político brasileiro assusta matrizes
Não bastassem os efeitos da falta de componentes e do aumento dos casos da covid-19, o setor automotivo reclama do ambiente político brasileiro que, segundo o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, está assustando as matrizes justamente num momento em que várias empresas estão negociando investimentos para projetos futuros no País. “Houve muitos ruídos políticos inaceitáveis nessas últimas semanas e isso não ajuda, ao contrário, assusta as matrizes”, diz.
Moraes afirma que é difícil explicar a situação de insegurança jurídica no País e reclama da lentidão no programa de vacinação e da falta de debate adequado para a provação do Orçamento. “Fomos surpreendidos com a proposta que aumenta as despesas obrigatórias e cria espaços para emendas parlamentares num momento em que temos 14 milhões de desempregados e pessoas passando fome num País que é campeão em produção de alimentos”, reforça.
“Tem gente em Brasília que só se preocupa com a eleição de 2022, enquanto o País vive uma crise sanitária gravíssima, o consumo desacelera e vemos uma queda importante do PIB no primeiro trimestre e talvez no segundo”, diz Moraes, que também criticou a demora do governo em aprovar a MP 936, que prevê ajuda do governo em programas de redução de jornada e salários para evitar demissões.
Moraes afirma ainda que a indústria automobilística tem ajudado no combate à pandemia com doação de equipamentos, máscaras e que também tem interesse em adquirir vacinas para os funcionários e seus familiares. “É uma agenda que depende do Congresso, de aprovação da Anvisa e disponibilidade lá fora, mas, se for possível, gostaríamos de comprar vacinas ainda este ano”. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)