O Estado de S. Paulo
O sonho do carro voador é coisa antiga. Tão antiga como a dos tapetes voadores das histórias das Mil e Uma Noites. Mas, desta vez, eles parecem estar mais perto de se tornar realidade. Deixaram de ser tema de ficção científica.
Há duas semanas, a Embraer revelou os primeiros testes do protótipo do seu eVTOL, sigla em inglês para veículos elétricos de pouso e decolagem vertical. Na foto ao lado, a cara da novidade.
A Embraer não está sozinha nessa. Montadoras de diversos países já apresentaram seus protótipos do que imaginam ser o veículo do futuro. Em janeiro, o presidente da GM do Brasil, Carlos Zarlenga, revelou em entrevista ao Estadão que sua empresa vai investir pesado no carro voador.
O desenvolvimento do projeto da Embraer é encabeçado pela Eve Urban Air Mobility Solutions, divisão voltada para mobilidade urbana da EmbraerX, responsável pela linha de inovação.
“O eVTOL não vai substituir o carro convencional”, adverte André Stein, presidente executivo da Eve. É melhor compará-lo com os helicópteros. É uma espécie de drone mais desenvolvido. “Os eVTOLs não têm por objetivo ser a bala de prata na solução dos problemas do trânsito. É para ser uma opção de mobilidade nas cidades, ao lado do metrô, da rede de ônibus, do carro compartilhado”, explica Stein.
O grande desafio do setor em relação aos eVTOLs, segundo o executivo, será democratizar esses veículos de maneira sustentável para o planeta e acessível do ponto de vista econômico.
O protótipo da Embraer/Eve possui dez hélices movidas por motores elétricos, das quais oito postadas na horizontal e duas na vertical. Voou pela primeira vez em Gavião Peixoto (SP), sede da empresa. Por enquanto, os testes se limitam ao funcionamento dos softwares em uso no veículo comandado por um piloto. Mas a ideia é a de que, no futuro, o carro voador opere sem piloto.
Quem primeiro entendeu o potencial de desenvolvimento vertical da mobilidade urbana foi a Uber, plataforma que revolucionou o conceito de táxi. Agora, pretende empreender outra virada com o lançamento de táxis aéreos para começarem a funcionar na próxima década. A Uber atua em parceria com fabricantes do setor automobilístico e do setor aeronáutico.
Ricardo Bacellar, sócio da consultoria KPMG do Brasil, adverte que a maior incerteza que cerca os projetos de carros voadores não estão na tecnologia envolvida, mas na regulamentação que necessariamente virá. Essa regulamentação acabará por interferir nos próprios projetos. Bacellar lembra
que, ainda hoje, mesmo com carros autônomos cujo funcionamento está mais adiantado, ainda não foi solucionada a questão de como interligar, no nível do chão, centenas de milhares de frotas autônomas e equipamentos públicos inteligentes, como semáforos e estradas conectadas.
“Se isso já acontece aqui embaixo, imagine a complexidade dessas interligações em três dimensões, num ambiente em que não existe rodovia física”, observa Bacellar. Quais são os limites? Como serão as rotas, os pousos e decolagens? Em que altura os carros poderão trafegar? Altura em relação a quê? Ou seja, como entra nisso a topografia das cidades, já que há bairros mais altos (como o que inclui a Avenida Paulista em São Paulo) e bairros mais baixos (onde fica a Avenida Faria Lima, também em São Paulo). E há as cidades de montanha e outras à altura do mar? “O nível de complexidade é exponencial”, diz.
Exemplo do tamanho do problema é o de que os próprios drones que carregam objetos atuam hoje em área cinzenta quanto à regulamentação. Não há legislação no mundo, mesmo sabendo-se que empresas como a gigante Amazon e a brasileira iFood estudam fazer entregas sem motoboys, somente com drones teleguiados.
Talvez possa ajudar os carros voadores o fato de que, em termos de regulamentação, estão mais para helicópteros, já que terão de ser controlados por um piloto até que a tecnologia avance o suficiente para serem autônomos.
Adriano Correia, sócio de Transportes e Logística da consultoria PwC, entende que levará vantagem na regulamentação a empresa que sair na frente. “Será ela que apresentará o projeto de regulamentação a partir do seu modelo. Como já acontece com o drone, sem uma tecnologia rodando por aí, não dá para discutir com as autoridades eventuais ajustes e regras de voo”, observa.
Os especialistas, no entanto, concordam em que, se os eVTOLs decolarem, as cidades receberão mais uma opção de mobilidade urbana – desta vez, mais verde, mais silenciosa e, quem sabe, mais divertida. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)