Inflação vai a 0,86% e mercado vê alta da Selic

O Estado de S. Paulo

 

Variação do IPCA em fevereiro foi a maior para o período desde 2016, segundo o IBGE. Mercado vê pressão sobre o Copom para alta na taxa básica de juros, que hoje está no menor nível da história.

 

Pressionada desta vez pelos preços da gasolina, a inflação oficial no País subiu 0,86% em fevereiro, ante 0,25% em janeiro. Foi a maior variação para o período desde 2016 e consolidou as apostas no mercado financeiro de que o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), que se reúne na próxima semana, vai voltar a aumentar a taxa básica de juros. A Selic está hoje em 2%, menor patamar histórico.

 

Pelos números divulgados ontem pelo IBGE, a taxa acumulada em 12 meses pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acelerou de 4,56%, em janeiro, para 5,20% no mês passado, ante uma meta de 3,75% perseguida pelo BC para este ano. No mesmo período, só os preços dos alimentos e bebidas acumularam uma alta de 15%.

 

O estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno, aposta que a Selic será elevada dos atuais 2% ao ano para 2,50%. “Realmente, o IPCA veio bem acima do esperado, mostrando forte aceleração. A boa notícia é que o movimento de alta da inflação continua concentrado em alguns itens”, disse Rostagno. “Então, não há alta generalizada de preços no País. Mas, como a gente está com uma inflação corrente bem acima do centro da meta, e como a gente tem visto alta forte do petróleo e o real se desvalorizando, o BC vai promover alta de juros para evitar que efeitos de segunda ordem potenciais sobre os preços possam ocorrer e, com isso, desancorar as expectativas de inflação.”

 

Já havia a expectativa de que o Copom pudesse elevar a Selic em 0,50 ponto porcentual, de acordo com a economista-chefe da gestora de recursos BNP Asset Management, Tatiana Pinheiro, mas a inflação de fevereiro, ainda que fortemente concentrada em combustíveis, deflagra uma pressão de custos para a qual o BC está atento. Pesa também a piora do quadro fiscal.

 

“O BC tem de calibrar a taxa de juros para o IPCA se manter na meta”, argumentou Tatiana.

 

Auxílio emergencial

 

A pressão inflacionária em fevereiro só não foi mais forte porque o fim do pagamento do auxílio emergencial pelo governo às famílias mais vulneráveis já diminuiu a demanda por itens essenciais, com reflexo sobre os preços dos alimentos, que têm dado uma trégua após meses de altas expressivas, avaliou Pedro Kislanov, gerente do Sistema Nacional de Índices de Preços do IBGE.

 

“A retirada do auxílio pode ter reduzido a demanda por alguns itens essenciais, como é o caso do arroz. Há uma série de fatores que vão influenciar o preço dos alimentos, o auxílio emergencial é apenas um deles”, ponderou.

 

O grupo alimentação e bebidas mostrou desaceleração em fevereiro pelo terceiro mês consecutivo. Houve redução nos preços da batata-inglesa, tomate, leite longa vida, óleo de soja e arroz.

 

“No caso da batata e do tomate, teve um clima mais seco em fevereiro, depois de um clima mais chuvoso em janeiro, o que ajudou a reduzir preços, mas essa redução também pode ser efeito da retirada do auxílio emergencial. São itens importantes na cesta de consumo das famílias, como o leite longa vida. Todos esses itens com redução podem ter efeito da retirada do auxílio”, apontou Kislanov.

 

Por outro lado, houve aumento de preços na cebola e nas carnes, mas foram os avanços nos preços dos combustíveis que mais pesaram na inflação em fevereiro. “A gente tem tido vários sucessivos reajustes nos preços da gasolina e do diesel nas refinarias, o que acaba chegando ao consumidor final”, observou Kislanov.

 

A gasolina subiu 7,11% em fevereiro, sendo responsável sozinha por mais de 40% do IPCA. Também ficaram mais caros o etanol (8,06%), óleo diesel (5,40%) e gás veicular (0,69%).

 

“A gasolina subiu quase 28% em nove meses. Lembrando que a gasolina é o item de maior peso no IPCA”, disse Kislanov. Apesar da pressão sobre o orçamento das famílias, o economista do IBGE ainda não vê sinais de influência de demanda sobre a inflação. “Não dá para dizer que a gente tem pressão de demanda. A gente ainda está num cenário muito atípico e de muita incerteza, com aumento no número de mortes na pandemia, adoção de medidas restritivas em várias cidades em março, com possibilidade de volta do auxílio emergencial ou não. São muitas questões que podem afetar a inflação nos próximos meses”. (O Estado de S. Paulo/Daniela Amorim, Francisco Carlos de Assis e Luciana Xavier)