O Estado de S. Paulo
A maior parte da indústria de transformação perdeu peso nas exportações, sustentadas há anos pela agropecuária e pela mineração.
Boas notícias para começar: a produção industrial cresceu 0,4% em janeiro, aumentou 42,3% em nove meses consecutivos de alta e superou com folga a perda de 27,1% acumulada no primeiro grande impacto econômico da pandemia. O volume produzido em janeiro foi 2% superior ao de um ano antes. Os números foram positivos em duas das quatro grandes categorias de produtos, com avanço mensal de 4,5% na fabricação de bens de capital (principalmente máquinas e equipamentos) e de bens de consumo semiduráveis e não duráveis, onde se enquadram alimentos, perfumaria, calçados e produtos de limpeza. A indústria automobilística, uma das mais afetadas pela crise, também continuou em recuperação. O número de veículos, carrocerias e reboques produzidos foi 4,8% maior que o de janeiro de 2020.
A reação, no entanto, continuou perdendo impulso. É preciso dar atenção a isso, mas é necessário buscar algo mais que retomada. É urgente pensar em algo mais ambicioso, um roteiro de reindustrialização.
A reação inicial, depois do tombo de 27,1%, foi vigorosa, com avanços de 8,7% em maio e 9,6% em junho. Depois, foi ficando mais lenta, mês a mês. A evolução do consumo, por enquanto conhecida até dezembro, também foi menos vigorosa nos meses finais de 2020. Isso é atribuível, em parte, à redução do auxílio emergencial a partir de setembro. Além disso, as condições de emprego permaneceram ruins.
A atividade industrial, embora em recuperação, refletiu a insegurança e a maior cautela dos consumidores nessa fase. As dificuldades de milhões de famílias são evidenciadas pelos saques da poupança em janeiro e em fevereiro. O dinheiro armazenado, com muita prudência, durante boa parte de 2020, é agora necessário para despesas inadiáveis. Não há como negar a urgência de uma retomada, embora parcial, do auxílio financeiro às famílias necessitadas.
Não se trata apenas de solidariedade. Sem reforço do consumo, toda a recuperação econômica poderá ser prejudicada. Isso inclui, naturalmente, a criação de empregos. O Brasil fechou 2020 com desocupação de 13,4 milhões de pessoas (13,5% da população ativa) e 31,2 milhões de pessoas subutilizadas (desempregadas, subocupadas por insuficiência de horas ou apenas integradas na força de trabalho potencial).
É preciso levar em conta esses dados para avaliar as condições da recuperação industrial. Além de ter perdido impulso no segundo semestre de 2020, a retomada tem sido desigual. Em janeiro, houve resultados negativos em 14 ramos de atividade industrial, pouco mais de metade dos 26 cobertos pela pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Um ramo ficou estável e os demais cresceram. Nada igual a isso foi observado nos oito meses anteriores de recuperação do setor industrial.
No confronto com janeiro de 2020 o quadro ficou um pouco melhor. Além do aumento geral de 2%, houve maior número de ramos com resultados positivos: 18 dos 26. Além disso, a produção de 57,9% dos 805 produtos pesquisados foi maior que a de um ano antes, embora janeiro deste ano tenha tido 20 dias úteis, dois a menos que os da base de comparação.
A reação da indústria depois do tombo de março-abril deve ser só o começo de um longo retorno a um período de maior dinamismo. Com o resultado de janeiro, a produção industrial ainda foi 12,9% menor que a de maio de 2011, pico da atual série histórica mantida pelo IBGE. Com algumas oscilações, a tendência geral da indústria foi de declínio, ao longo desse período. Além da produção em queda, houve perda de participação no conjunto da economia brasileira e declínio de competitividade, exceto em poucos segmentos. A maior parte da indústria de transformação perdeu peso na composição das exportações, sustentadas há anos pela agropecuária e pela mineração.
Se ainda se encontrar, em Brasília, algum espaço para a definição de estratégias de crescimento e para algo parecido com planejamento, uma das prioridades deverá ser um programa de reindustrialização. Mas nada, no currículo do atual governo, autoriza essa expectativa. (O Estado de S. Paulo/Antonio Carlos Pereira, Diretor de Opinião)