Por que carro elétrico polui menos que a combustão

O Estado de S. Paulo/Mobilidade

 

Alguns países estão fechando o cerco contra o motor a combustão e já estabeleceram o prazo de proibição da venda de veículos que agridem o meio ambiente. Coma medida, se escancara o caminho par aos veículos elétricos, que não emitem gases poluentes na atmosfera.

 

Isso quer dizer, então, que o automóvel com propulsão 100% elétrica não polui de jeito nenhum? Não é bem assim. O veículo elétrico precisa ser analisado em dois momentos. Quando já está nas ruas rodando, de fato, tem a vantagem de ser amigável ao meio ambiente. “Ele não despeja gases poluentes nem sequer possui escapamento”, afirma Gustavo Noronha, diretor de eletromobilidade da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA).

 

Mas é preciso fazer uma análise mais ampla e observar também a etapa de produção do automóvel. “Na linha de montagem, as emissões de dióxido de carbono [CO2] estão presentes”, diz Noronha. Ainda assim, o carro elétrico leva vantagem sobre o equipado com motor convencional.

 

Um estudo da Universidade Tecnológica de Eindhoven (Holanda) apontou que ele é menos poluente também no processo de produção. A fabricação dos veículos elétricos e a combustão é praticamente idêntica. A energia necessária para a manufatura não muda. O que altera é justamente o componente que suscita as maiores dúvidas: abateria.

 

Fontes renováveis

 

“O carro zero-quilômetro é entregue com o tanque vazio, ao passo que o modelo elétrico recebe a bateria completa, cujo desenvolvimento causa emissões. É preciso avaliar, porém, como se dá a geração de energia para fazer e carregar a bateria, de acordo com o país de fabricação”, atesta Diogo Seixas, fundador da Atlas, startup de mobilidade elétrica de Santa Catarina e diretor de componentes da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE).

 

Ele conta que, no Brasil, 85% da energia vem de fontes renováveis e, desse montante, 72% são limpas. “Aproximadamente, 60% provêm de recursos hídricos, 10% são eólicos, 2% são derivados do sol e o restante surge da biomassa – renovável, mas não limpa. Os outros 15% da geração de energia são oriundos do petróleo e do carvão”, enumera.

 

Seixas, que estuda o assunto há muitos anos, é enfático: “Como no País a energia elétrica vem de fontes limpas e renováveis, podemos dizer que, sim, o carro elétrico polui bem menos”, decreta. A conta é simples. “O CO2 liberado durante a fabricação será compensado com sobras ao longo de toda sua vida útil sem poluir o ar. Nunca mais o carro elétrico vai gerar gases tóxicos. O automóvel com motor a combustão, por sua vez, sempre precisará queimar combustível fóssil para funcionar. E só piora com o tempo, em função do desgaste do motor”, explica.

 

Alinha de montagem de automóveis elétricos em países como a China ainda utiliza a matriz energética “suja” das usinas de carvão para a geração de energia. Ao menos, essas instalações localizam-se em regiões isoladas, sem a concentração de pessoas. Mas Diogo Seixas afirma que é uma tendência global a limpeza da energia, cada vez mais extraída de fontes solares e eólicas. “O excesso de liberação de CO2 na natureza – que provoca aquecimento global – precisa ser estancado. Os países estão migrando rapidamente para as fontes limpas”, defende.

 

Segundo estudos realizados pela organização Transport and Environment (T&E), com sede em Bruxelas (Bélgica), os modelos elétricos feitos na Europa emitem quase três vezes menos CO2 que similares a gasolina ou diesel.

 

O levantamento conclui que, mesmo no pior dos cenários, um carro com propulsão elétrica fabricado na China e dirigido na Polônia apresenta níveis 22% menores de CO2 que o a diesel e 28% em relação ao a gasolina. Na outra ponta, ou seja, na melhor das hipóteses, um carro elétrico feito e conduzido na Suécia emite 80% menos CO2 que o a diesel e 81% menos que o a gasolina. Há outros indicadores: o Tesla Model 3, por exemplo, emite 65% menos gases poluentes em comparação a um Mercedes-Benz Classe C.

 

“Isso acaba com o mito de que dirigir um carro elétrico prejudica mais o meio ambiente que um modelo a combustão”, depõe Lucien Mathieu, analista de transporte e mobilidade da T&E. A entidade prevê que os benefícios dos carros elétricos aumentarão na Europa. Até 2030, eles reduzirão quatro vezes as emissões de CO2, devido à expansão das energias renováveis.

 

Descarbonização

 

As descobertas da T&E endossam o estudo independente das universidades inglesas de Exeter e Cambridge, segundo o qual os carros elétricos diminuem as emissões gerais de CO2 até nos casos em que a eletricidade empregada para abastecê-los venha da geração de derivados fósseis. As emissões atuais e futuras do ciclo de vida dos veículos elétricos, diz o levantamento, são mais baixas que as dos carros movidos a gasolina.

 

O relatório afirma também que “mesmo que a futura eletrificação não seja acompanhada pela rápida descarbonização do setor de energia, provavelmente reduzirá as emissões de gases tóxicos em quase todas as regiões do mundo”.

 

Apesar de ainda não ter uma política clara acerca do automóvel elétrico e de seus consequentes reflexos ao meio ambiente, o Brasil registra crescimento nas vendas nesse segmento. No entanto, há quem defenda um degrau de transição entre veículos com motor a combustão e elétricos. “O mercado brasileiro pode oferecer uma solução técnica, com baixa pegada de carbono”, diz Gustavo Noronha, da AEA.

 

A associação vem conduzindo estudos de biocombustível na eletrificação, a fim de avaliar os impactos no clima. “O Brasil tem uma chance de ouro de unir os dois mundos: híbridos flex – como a tecnologia existente no Toyota Corola Hybrid – e elétricos. Não se pode desprezar a história que o etanol construiu no País, porque o agronegócio conseguiu chegar a um combustível renovável. Juntar as duas forças é o caminho mais coerente”, analisa.

 

Etanol é poluente?

 

Para reforçar a ideia de Noronha, a União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (Unica) revela que a safra de 33,5 bilhões de litros de etanol hidratado e anidro de 2019/2020 corresponde a 50% de participação no abastecimento da frota nacional de veículos leves, o que corresponde à redução de 80 milhões de toneladas de CO2.

 

Diogo Soares reconhece que o etanol polui menos e a plantação de cana absorve maiores quantidades de CO2. Ainda assim, acredita, ele está longe de ser um combustível renovável e que represente transição ao ser usado na composição do biocombustível. “A preparação do solo para o plantio, a utilização de produtos químicos que emitem CO2, as queimadas e o transporte até as usinas feito em caminhões movidos a diesel compõem um cenário poluidor, prejudicial ao meio ambiente”, salienta.

 

“Ok, a bateria também exige a etapa do transporte, mas, em breve, ele acontecerá em caminhões também dotados de motores elétricos. A migração para o carro elétrico é questão de saúde pública”, defende. “Não podemos continuar no atraso, com tecnologias antigas e motores poluentes.”

 

Embora a maior parte da energia brasileira seja gerada por hidrelétricas, vem ocorrendo uma expansão da energia solar. “No futuro, teremos mais ‘telhados verdes’ por causa do kw vindo dos raios solares”, ressalta Pedro Schaan, diretor da Zletric, empresa gaúcha de recarga elétrica.

 

Além da nova fonte de energia, Schaan afirma que as partes móveis do carro elétrico são dez vezes mais duráveis, contribuindo para a redução de danos na hora do descarte de peças e fluidos. A fórmula é simples: menos prejuízo ao descartar componentes é igual à preservação do meio ambiente. (O Estado de S. Paulo/Mobilidade/Mário Sérgio Venditti)