O Estado de S. Paulo
A indústria surpreendeu, com crescimento de 0,9% na produção de dezembro ante novembro, o oitavo mês seguido de alta, informou nesta terça-feira, 2, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os oito meses de retomada anularam totalmente as perdas causadas pela covid-19, que atingiram o fundo do poço em abril. Mesmo assim, a recuperação foi insuficiente para, na média, salvar o ano. Em 2020, a produção industrial tombou 4,5%, pior resultado anual desde 2016.
Houve surpresa com o resultado de dezembro porque projeções de analistas de mercado captadas pelo Projeções Broadcast iam no máximo a uma alta de 0,5% – e apontavam, numa média, para uma queda de 0,5%. O oitavo mês seguido de alta sinaliza para um crescimento econômico mais forte no fim de 2020, mas alguns economistas alertaram que parte do movimento pode ser artificial, turbinado por medidas do governo, como o auxílio emergencial, que são insustentáveis no médio ou longo prazo.
Com a recuperação de oito meses iniciada em maio, o nível da produção industrial supera em 3,4% o nível de fevereiro de 2020, antes da covid-19 se abater sobre a economia. É o maior patamar desde dezembro de 2017.
Mesmo assim, a atividade de dezembro ainda está 13,2% abaixo do nível recorde da série histórica do IBGE, registrada em maio de 2011. Ou seja, a indústria não vinha bem quando a pandemia se abateu sobre a economia. Em 2019, a produção industrial registrou perda de 1,1% ante 2018.
“É uma sequência de resultados positivos, há um perfil disseminado de recuperação, mas o setor industrial tem espaço ainda muito importante para recuperar. Não é característica só da pandemia, vem de alguns anos. Tanto que é segundo ano de queda”, afirmou André Macedo, gerente da Coordenação de Indústria do IBGE.
A recuperação foi disseminada porque a alta de 0,9% na produção em dezembro foi verificada em 17 dos 26 ramos investigados pelo IBGE. Os destaques foram a metalurgia (com salto de 19,0% ante novembro), a indústria automotiva (alta de 6,5%) e as Indústrias extrativas (3,7%). Da mesma forma, 16 dos 26 ramos investigados superaram o nível de produção de fevereiro do ano passado.
“Os veículos lideraram a recuperação da produção industrial ao longo de 2020”, afirmou Macedo.
A economista da XP Investimentos Lisandra Barbero destacou ainda o desempenho dos bens de capital em geral – cuja produção avançou 2,4% ante novembro e saltou 35,4% sobre dezembro de 2019 – e dos insumos para a construção civil – avanço de 13,6% no quarto trimestre ante igual período de 2020. “Esses números vieram bem em dezembro, o que traz sinalização positiva para investimentos”, disse a economista.
Por outro lado, as influências da pandemia e das medidas para mitigar seus efeitos no desempenho recente da indústria lançam dúvidas sobre o fôlego do crescimento.
“Grande parte dessa alta deve-se a um nível de artificialidade (estímulos). A ideia é que esses efeitos diminuam em 2021, apesar de o País ter iniciado a vacinação contra a covid-19, o que não se tinha em 2020”, disse Alexandre Almeida, economista da CM Capital Markets.
Segundo Macedo, do IBGE, além das medidas para mitigar a crise, a retomada foi ajudada pelo deslocamento da demanda de serviços para bens. Com os contatos sociais restritos por causa da pandemia, muitos consumidores ficaram impedidos de gastar com serviços presenciais, mas, de casa, continuaram comprando desde produtos básicos, como alimentos, até duráveis, como móveis e eletrodomésticos.
O efeito desse deslocamento, apoiado pelas medidas de transferência de renda, como o auxílio emergencial para trabalhadores informais ou os programas de manutenção do emprego, apareceu nos números médios de 2020. A produção geral recuou 4,5% ante 2019, mas em seis dos 26 ramos industriais investigados pelo IBGE o desempenho anual ficou no positivo.
As principais influências positivas em 2020 vieram de produtos alimentícios (alta de 4,2% no ano) e coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (4,4%). Os demais ramos com alta no ano passado foram fumo (10,1%), perfumaria e produtos de limpeza (2,7%), farmacêuticos (2,0%) e papel e celulose (1,3%). Conforme Macedo, também fecharam o ano no positivo produtos específicos como eletrodomésticos e eletroportáteis e materiais de construção, como ladrilhos e cerâmica.
“Isso fez parte de 2020. Agora, como isso vai se comportar mais à frente, não sabemos”, afirmou o pesquisador do IBGE. “A ausência do auxílio (emergencial), na medida em que alcançou boa parcela da população, é algo que preocupa e vai definir muito dos rumos não só da indústria, como da economia em geral (em 2021)”, completou Macedo. (O Estado de S. Paulo/Vinicius Neder, Maria Regina Silva e Gregory Prudenciano)