O Estado de S. Paulo/Caderno Mobilidade
No ano passado, as vendas de veículos eletrificados (100% elétricos e híbridos) deram um salto no Brasil. Foram emplacadas 19.745 unidades, contra 11.858 em 2019. Esse avanço representa aumento de 66,5%, um abismo muito grande em comparação à queda de 26,2% do mercado de automóveis de passeio e comerciais leves com motor a combustão. Nesse cenário, a pergunta que os executivos das montadoras fazem é óbvia: se tamanho crescimento aconteceu com os preços dos modelos com propulsão eletrificada nas alturas, como seria se eles fossem mais acessíveis?
Há alguns fatores que explicam os valores exorbitantes cobrados pelos modelos eletrificados no Brasil. A bateria, que antes era a vilã principal, ainda é um calcanhar de aquiles, mas o maior empecilho hoje se chama carga tributária. “Precisamos seguir crescendo para não perder o timing da evolução da mobilidade elétrica no País”, afirma Thiago Sugahara, vice-presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE).
Ele conta que os impostos aplicados sobre o carro elétrico já caíram muito no Brasil, mas poderiam melhorar ainda mais. Antes, o imposto de importação era de 35% e, em 2015, foi para zero no carro elétrico e 2% no híbrido. O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) era de 25% e, em 2019, baixou para 9%, em média.
“O problema é que, em países da Europa, os veículos com mais eficiência energética pagam menos impostos e, no Brasil, acontece o oposto”, revela Sugahara. Aqui, um automóvel com motor a combustão que percorre entre 10 e 12 quilômetros por litro paga 7% de IPI. Já um carro híbrido, que roda 25 quilômetros por litro, chega a pagar até 15%. “Seria mais coerente se o veículo elétrico pagasse o mesmo IPI que um modelo 1.0 flex”, defende Antonio Calcagnotto, diretor de relações institucionais, governamentais e de sustentabilidade da Audi do Brasil.
“O IPI joga contra”, complementa Sugahara. Para ele, cobrar mais impostos sobre os veículos eletrificados é uma distorção. “Se houvesse incentivos fiscais, as montadoras se sentiriam estimuladas a fazer carros eletrificados no País. E a produção local seria primordial para reduzir os preços”, avalia.
Market share de 1%
Calcagnotto, por sua vez, acredita que os carros elétricos têm poucas chances de serem feitos no Brasil. “Dificilmente, as montadoras tomariam a decisão de fabricar pequenos volumes longe de suas matrizes. A conta não fecha”, diz. “É mais viável a produção de automóveis híbridos devido ao uso do etanol no motor combinado.”
Com o surpreendente desempenho de vendas no ano passado, os modelos eletrificados alcançaram 1% do market share doméstico. “Isso deveria ser levado em conta, mas em nenhum cenário o carro eletrificado paga menos imposto que o similar a combustão. É um erro estratégico, que não aquece a indústria brasileira e mantém os preços em patamares elevados. Se a curva subiu sem qualquer medida do Governo Federal, imagine se ele concedesse esse estímulo.”
O presidente da ABVE, Adalberto Maluf, concorda: “O mundo todo desonera o carro eletrificado e cobra imposto de acordo com a eficiência energética. O governo chinês, por exemplo, recolhe imposto, mas devolve parte dele lá na ponta”, diz. “Não faz nenhum sentido os automóveis elétricos e híbridos serem penalizados com taxas maiores no Brasil.”
Maluf avalia que falta ao País um programa mais claro de benefícios e incentivos ao carro elétrico. Ele diz que o Brasil está desconectado com as políticas globais, afugentando marcas como a Ford, que, recentemente, anunciou o fechamento de suas fábricas aqui. “As matrizes sinalizam que querem investir em propulsão eletrificada, mas não apostarão no Brasil se não existir a contrapartida. Cada vez mais desinteressadas em carros com motor a combustão, as montadoras acabam indo embora”, salienta.
Modelos premium
É um ciclo vicioso. Sem vender muito no Brasil, não há larga economia de escala. Consequentemente, as marcas não montam em torno de si uma estrutura de sistemistas e fornecedores locais. “Uma coisa está ligada a outra. A escala derruba os preços; porém, a nossa realidade impede que o veículo elétrico seja mais barato. Dessa forma, continuaremos dependendo das importações, com a cotação do dólar lá em cima. Desse jeito, os veículos sempre serão caros”, completa Adalberto Maluf.
“O modelo eletrificado é uma inovação tecnológica, assim como o computador e tantos equipamentos. Enquanto não se massificar e não ganhar escala, sempre custará mais”, analisa Calcagnotto.
Vencer barreiras fiscais
Mesmo que os carros elétricos custassem menos, não dá para imaginar que as versões premium tivessem seus valores reduzidos. A exemplo dos carros convencionais, eles são luxuosos, tecnológicos e destinados a uma parcela pequena de compradores.
Hoje, vencer as barreiras fiscais é o maior desafio da indústria para que os carros elétricos se multipliquem nas ruas. Em relação aos componentes, a bateria representa de 30% a 35% do custo total do automóvel, embora seu preço tenha caído 87% nos últimos dez anos. Mesmo assim, ela ainda “ajuda” a encarecer o automóvel.
“Apesar da redução, a bateria continua cara”, acredita Calcagnotto. “Novas soluções estão em desenvolvimento, mas ela ainda é pesada, não oferece tanta autonomia e é fabricada por poucas empresas.” O executivo da Audi defende que, além do veículo propriamente dito, a importação do equipamento deveria receber incentivos governamentais. E cita uma situação que o consumidor ainda não viveu por causa da idade do carro elétrico no Brasil. “Quando a vida útil de oito anos da bateria acabar, será necessário importar uma nova e os impostos igualmente são caros.”
As maiores reservas de lítio – principal matéria-prima das baterias – da América do Sul estão na Bolívia, no Chile e na Argentina. Recentemente, foram descobertas grandes quantidades do metal em Minas Gerais, Goiás e Ceará. “O lítio brasileiro é mineral, ou seja, não é extraído dos salares, característica capaz de aumentar o potencial de armazenamento de energia”, revela Maluf, da ABVE. Com isso, a formação de um polo de fabricação de baterias para carro elétrico poderia depender menos do material que vem de fora, gerando economia nas etapas do processo.
Mas, apesar da descoberta de mais essa riqueza, a fabricação de automóveis no Brasil em larga escala ainda parece um sonho distante. (O Estado de S. Paulo/Caderno Mobilidade/Mário Sérgio Venditti)