“Esperamos 10% a 12% de crescimento este ano”, diz presidente da Volkswagen na América Latina

O Estado de S. Paulo

 

Algumas montadoras decidiram deixar o País, por diversos motivos. Inclusive a Ford, que praticamente entrou no Brasil ao mesmo tempo que a Volkswagen. Indagado sobre como analisa este fato, Pablo Di Si, presidente da montadora alemã no Brasil e América do Sul, afirma que “precisamos olhar o futuro e decidir se queremos ter um País industrializado. Temos que definir essa parte estratégica primeiramente”. E continua: “Não estou falando apenas da indústria automobilística, mas da indústria em geral”. No seu ver, as coisas estão andando na contramão, como por exemplo o aumento de impostos no Estado de São Paulo. “O Brasil tem mão de obra altamente qualificada, pessoas com compromisso imenso, inteligentes e criativas. Vi um estudo há algumas semanas indicando um número muito grande de empresas que saíram do Brasil. Precisamos trabalhar juntos para resolver esta situação”.

 

Na conversa com a coluna, o executivo defende que entre na agenda do governo, não somente a redução tributária, mas também a simplificação dos impostos. “Precisamos eliminar a burocracia e fazer com que as empresas sejam mais eficientes”, diz. A VW pretende continuar fabricando automóveis no Brasil. “Mas queremos fazer mais, a exemplo do Nivus, veículo desenvolvido aqui e que será produzido e vendido na Europa. Queremos desenvolver outros projetos, levando o conhecimento e a competência da engenheira latino-americana para o mundo.” Aqui vão outros trechos da entrevista:

 

Os preços dos carros estão subindo. Isso é efeito da paralisação de fábricas no ano passado? Já estão operando com 100% da capacidade?

Na minha visão, o aumento dos produtos é causado basicamente por dois fatores: o aumento do custo das commodities, como o aço, em nível mundial, e também devido ao impacto do aumento do câmbio, que influencia o custo de matéria-prima e das peças importadas. Em razão da pandemia e da retração do mercado no último ano, não estamos utilizando nossa capacidade total, mas estamos confiantes que 2021 será um ano de retomada do setor, ainda que discreta.

 

A Volks produziu, em 2019, 550 mil carros. E em 2020, como ficou a produção?

A produção do mercado caiu cerca de 32%, e nós, da Volkswagen, tivemos queda de cerca de 29%. Houve dois impactos: no Brasil em si e, obviamente, como somos a maior exportadora automobilística no País, uma redução nossa.

 

Como isso se refletiu nas fábricas? O que vocês fizeram com os funcionários?

Tivemos uma conversa muito honesta com o sindicato, renegociamos nossos acordos nas nossas quatro fábricas. O Sindicato dos Trabalhadores demonstrou muita flexibilidade, fez concessões e nós também. Chegamos a um modelo híbrido de ‘delay off’. Temos funcionários que continuam na folha de pagamento, mas estão em casa, parcialmente pagos pelo governo, parcialmente pagos pela VW.

 

O vírus está mudando, não é ainda completamente conhecido, e a indústria tem de trabalhar com projeções. Como vocês estão se organizando?

Temos planos para diversos cenários. Acreditamos que o mercado vai crescer em relação a 2020, porque o ano passado foi péssimo – a indústria produziu menos de 2 milhões de veículos. Estamos trabalhando com um crescimento de 10% a 12% este ano. Mas é um ambiente muito incerto e instável, então mantemos um otimismo cauteloso.

 

Como a sede da Volkswagen, na Alemanha, está trabalhando nesta pandemia? Que diretrizes vocês receberam da matriz?

Como toda boa empresa alemã, ela trabalha com muita responsabilidade, muito processo, muito foco nos funcionários. Por exemplo: quando vão ao escritório, não fazem nenhuma reunião presencial, cada um vai para a sua sala e se reúnem via Skype. O menor risco de contágio está nas fábricas, porque os postos estão bem separados. O maior risco na Alemanha, e aqui no Brasil, é na hora do café, na hora do almoço, quando as pessoas começam a socializar, a conversar. Sabemos que, aqui no Brasil, as pessoas são muito próximas, calorosas. Então, destacamos monitores para ajudar as pessoas a evitarem aglomerações.

 

Fez alguma pesquisa com os funcionários, para saber se preferem ficar em home office ou voltar ao escritório?

Está claro, para nós, que teremos um modelo flexível: dois ou três dias por semana em casa e o resto no trabalho, por exemplo. É importante para nós, que fazemos parte do conselho da companhia, não criarmos nenhuma política sozinhos. Então temos um grupo de umas 20, 25 pessoas aqui no Brasil, supervisores, gerentes e analistas, de todas as hierarquias, de todas as áreas, para ajudar a criar essa nova política. Mas ela não será aplicada até que haja uma vacina ou uma solução para o coronavírus. Atualmente, cerca de 95% dos nossos funcionários estão em home office. Só nós, do conselho, e alguns gerentes, estamos indo ao escritório.

 

Quantos funcionários ao todo tem a Volkswagen na América Latina?

São 15 mil funcionários diretos no Brasil, mais 5 mil na Argentina. Mas cada posto de trabalho gera em torno de sete a oito empregos em toda a cadeia de fornecedores.

 

Acha que a pandemia acelerou o processo de se dar mais valor a times que funcionam do que a gênios da matemática?

Com certeza acelerou o entendimento de se trabalhar de forma transversal. Eu sou ex-esportista, jogava futebol e nunca acreditei em estrelinhas. Sempre joguei em times e dou valor a todas as funções, porque, no fim do dia, são 11 jogadores em campo. Qualquer esporte coletivo é assim, precisa de boa comunicação e transparência. E esta pandemia ensinou a todos nós o poder de uma boa comunicação. O meu time fala que está mais focado, mais bem informado. Isso porque, quando a pandemia começou, as reuniões que a gente fazia a cada 30 ou 45 dias passaram a ser semanais. Em tempo de crise, você precisa comunicar, comunicar, comunicar. Isso foi um aprendizado. Estamos mais comunicativos e mais pragmáticos, concentrados nos negócios, nos problemas e em como resolvê-los.

 

Como é essa comunicação, hoje, na VW?

Quando você tem uma pandemia, uma crise, não pode falar 50 mil coisas para o seu time, porque ninguém consegue assimilar tanta informação. É preciso focar em três pontos: onde estamos, para onde vamos e o que precisamos fazer para chegar lá. E um ponto fundamental desse processo é você mesmo entender a mensagem antes de transmiti-la. Mas é preciso ser autêntico, sempre. Porque as pessoas percebem quando não há autenticidade naquilo que é dito. Não adianta eu falar coisas nas quais não acredito. A gente tem feito muitas reuniões online na VW, os chamamos brainstorms, com todo mundo opinando sobre um tópico específico, por exemplo. E esse compartilhamento de ideias, que são sempre muito diferentes entre si, solidifica as decisões. Nem sempre há consenso, claro, mas é importante ouvir diferentes pessoas de diferentes áreas, com diferentes pontos de vistas.

 

Em algum momento, tem conseguido desligar nesta pandemia?

Cada um de nós encontra paz de uma forma, seja lendo um livro, cuidando de flores, pintando uma parede ou um quadro, correndo. Eu encontro paz no esporte – e também tenho lido livros sobre liderança. Mas, independentemente disso, tenho facilidade em chegar em casa e desligar a “chave”, sabe?

 

Você desde criança sempre foi apaixonado por carros ou se tornou gestor de uma empresa que fabrica automóveis por um acaso?

Foi por acaso, mas eu me apaixonei. Já trabalhei em indústria farmacêutica, indústria de consumo, indústria agrícola, de construção, e, há cerca de 17 anos, entrei na indústria de automóveis e me apaixonei. Me apaixonei pelas pessoas, pela complexidade. Nossa indústria é super complexa e eu adoro complexidade. E a Volkswagen é ainda mais complexa, então, melhor ainda. (O Estado de S. Paulo/Sonia Racy)