O Estado de S. Paulo
“O fechamento das fábricas da Ford jogou luz sobre o futuro do setor automotivo e as políticas de subsídios, uma reflexão cada vez mais importante a ser feita em função das mudanças nos setores automotivo e de energia pelo mundo.
É notório que nosso sistema tributário é complexo e que, muitas vezes, os ‘subsídios’ são medidas para reduzir distorções de um sistema ineficiente. No Brasil, ainda incentivamos tecnologias ultrapassadas, baseadas em combustíveis fósseis e em veículos com baixa tecnologia. Mas será que vale a pena?
As renúncias fiscais ao setor somara R$ 69 bilhões entre 2000 e 2020. Entretanto, o País emplacou 27% menos veículos em 2019 que em 2012, auge da política de isenção de Impostos Sobre Produtos (IPI). E, mesmo com as renúncias, o setor perdeu mais de 200 mil empregos diretos e indiretos, reduzindo para 1,3 milhão entre 2012 e 2019. Ademais, a participação do setor no PIB caiu de 5% para 3%.
Diferentemente do resto do mundo, que incentiva a indústria do futuro, com foco em índices de segurança e emissões cada vez mais rígidos, o Brasil optou por estimular a compra de veículos independentemente da tecnologia ou eficiência energética. Com isso, o País ficou para trás na corrida pelos veículos do futuro, todos elétricos, autônomos e conectados. E, pior, não desenvolveu os fornecedores ou tecnologias desses veículos. Preferimos subsidiar a ineficiência, mas esses subsídios não garantiram os empregos.
Esse processo aumentou, ainda, o uso do transporte individual e gerou mais congestionamentos, aumento nos custos do transporte público e pressão no sistema de saúde pública. No caso dos veículos pesados, enquanto o mundo já roda há anos com padrão Euro VI de emissões, a pressão por aqui conseguiu postergar sua entrada para 2023, uma distorção que inibe investimentos produtivos no setor e mata milhares de brasileiros por ano. E, mesmo assim, os caminhões e ônibus produzidos no Brasil perdem espaço de exportação.
Precisamos urgentemente de uma política industrial que priorize a inovação e as novas tecnologias. O Brasil não pode ficar tão defasado em relação aos padrões de emissão e segurança dos países desenvolvidos, sob pena de nossa indústria ficar cada vez menos competitiva e conectada às cadeias produtivas globais.
China, Colômbia e Noruega
Países como China, Colômbia e Noruega mostram o caminho do sucesso. A China colocou 500 mil ônibus elétricos em circulação. A Noruega atingiu a marca histórica de 54% de mercado com os elétricos em 2020 e a Colômbia celebra as maiores frotas de ônibus elétricos urbanos fora da China.
E o que eles têm em comum? Políticas públicas integradas e coerentes de incentivo à transição energética e à mobilidade sustentável, com liderança dos governos nacionais e apoio aos municípios, por frotas mais limpas e ar mais puro em suas cidades.
Em 2020, mesmo com a pandemia, as vendas de veículos eletrificados bateram recorde no Brasil. Foram 19.745 unidades emplacadas, 66% a mais que em 2019 (11.858) e 397% a mais que 2018 (3.970), enquanto as vendas de veículos a combustão caíram 26% em 2020.
A matriz elétrica do Brasil é limpa, temos reservas dos minerais estratégicos para fabricar baterias e a liderança na tecnologia dos veículos flex. Temos de integrar os elétricos aos biocombustíveis. O Brasil pode ser o pioneiro nos híbridos flex plug-in e adensar a cadeia do lítio para os elétricos puros. Enfim, o Brasil não precisa copiar modelos externos para fazer a sua transição aos veículos do futuro. Basta não tentar inventar a roda, reduzir distorções que dificultam o crescimento dos veículos elétricos no País e sonhar com a construção da indústria e dos empregos do futuro”. (O Estado de S. Paulo/Adalberto Maluf, presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) e diretor de marketing e sustentabilidade da BYD do Brasil)