CEO da Volks faz um alerta sobre o dilema do mercado de capitais

O Estado de S. Paulo/WP Bloomberg

 

As disrupções ameaçadoras que Herbert Diess viu chegando para as grandes montadoras logo depois de assumir o cargo mais alto da Volkswagen estão acontecendo como previsto – só que mais rápido e de maneira mais dramática.

 

Em uma entrevista, o CEO disse que mais reduções de custos e uma reestruturação mais rápida da gigante industrial alemã são vitais para enfrentar novos rivais com mais poder de fogo financeiro. Ele vem pensando não apenas em tentar acompanhar o ritmo da Tesla, mas também no risco de que a Apple se apresente na arena automotiva como mais uma concorrente poderosa, com recursos quase ilimitados.

 

“Apesar de todos os esforços, agora estamos numa situação um pouco mais difícil do que em 2018, quando assumi o cargo”, disse Diess. “O que realmente mudou – e que eu não esperava que mudasse até esse ponto – é a visão dos mercados de capitais no nosso setor.”

 

Nos quase dois anos e meio desde que Diess disse aos investidores que a VW precisava buscar níveis de avaliação mais alinhados aos da Apple, Amazon.com e Google para existir por mais duas décadas, a diferença só aumentou. Elon Musk o derrotou ao obter uma capitalização de mercado de quase US $ 700 bilhões para a Tesla, tornando a empresa mais valiosa do que as seis montadoras mais valiosas, juntas.

 

A avaliação do “carro velho” da VW, como Diess o define, tira da empresa a capacidade de acessar os recursos necessários para se adequar melhor a um futuro elétrico.

 

As ações da VW subiram 1,6% para 149,66 euros em Frankfurt, o que faz com que a empresa fique avaliada em cerca de US $ 100 bilhões, menos da metade da meta que Diess e sua equipe traçaram.

 

A questão é mais do que o mero direito de se gabar. Em uma única semana no mês passado, a Tesla e as fabricantes chinesas de veículos elétricos Nio Inc. e XPeng Inc. levantaram US $ 9,7 bilhões em capital com a venda de ações. Os US $ 5 bilhões que a Tesla levantou equivale a cerca de metade do fluxo de caixa líquido anual da VW.

 

O grupo VW vendeu 8,31 milhões de veículos até o final de novembro do ano passado, superando as entregas da Tesla no ano inteiro, as quais somaram quase 500 mil carros. Mas a capacidade de a Tesla sustentar lucros por cinco trimestres consecutivos após anos de perdas acendeu o entusiasmo dos investidores tanto por seus negócios quanto por aquelas empresas que tentam replicar seu sucesso. A XPeng e a Li Auto Inc. da China foram listadas nas bolsas americanas no ano passado, juntamente com várias startups que se fundiram com empresas de propósito específico, entre elas a Nikola Corp. e a Fisker Inc.

 

Alguns analistas alertam que a tendência está exagerada. A capitalização de mercado conjunta de cerca de US $ 1 trilhão de fabricantes de automóveis globais tradicionais continuou praticamente inalterada nos últimos 12 meses, enquanto o valor das novas rivais disparou.

 

“As avaliações e sentimentos em relação às montadoras de veículos tradicionais continuam longe do pessimismo”, disse o analista Arndt Ellinghorst da Sanford C. Bernstein em nota na semana passada. “Continuamos convencidos de que as empresas estabelecidas com alcance global, valor de marca e balanços sólidos terão um papel dominante no futuro da mobilidade”.

 

Os analistas do UBS Group liderados por Patrick Hummel fizeram da VW sua principal escolha entre os fabricantes de automóveis europeus, prevendo que “estratégias de veículos elétricos vencedoras provavelmente serão recompensadas com multiplicadores maiores”. A montadora que mais vende no mundo prometeu se tornar uma força global nos carros elétricos, com o maior plano de investimento do setor, no valor de quase US $ 90 bilhões em cinco anos.

 

Reflexos da pandemia

 

Em novembro, a VW advertiu que as consequências contínuas da covid-19 pesarão sobre os lucros este ano, mas manteve suas metas financeiras de médio prazo, as quais preveem restaurar o fluxo de caixa líquido para mais de 10 bilhões de euros (US $ 12,3 bilhões) já em 2022. O cumprimento dessas metas pode desafiar os investidores mais céticos, que continuam duvidando de que a VW possa se tornar mais ágil.

 

“Ainda não temos provas suficientes de que podemos manter nossa posição no novo ambiente competitivo – nossa avaliação ainda está localizada no ‘carro velho’”, disse Diess. “Isso nos leva a uma grave desvantagem em termos de acesso aos recursos necessários”.

 

Os investimentos que a VW e seus pares estão fazendo em veículos elétricos, operações de software, plataformas de mobilidade e tecnologia de direção autônoma são enormes. Os investidores enfrentariam uma diluição muito maior se as empresas tentassem levantar fundos vendendo ações, como a Tesla fez, e tal cenário é ainda mais complicado na VW por causa de sua complexa estrutura de acionistas.

 

Embora os lucros da Porsche, da Audi e de seus empreendimentos chineses tenham enchido os cofres da VW ao longo dos anos, seus altos custos fixos ficaram expostos quando as vendas despencaram durante a pandemia. Os ganhos de vários parceiros se mostraram mais resilientes.

 

“Precisamos melhorar significativamente nossos custos e trabalhar na eficiência, para direcionar o negócio automotivo tradicional significativamente mais em direção aos retornos”, disse Diess. Ele tentou reunir suas tropas no mês passado, declarando que a VW colocaria sua maior fábrica em Wolfsburg, Alemanha, contra a fábrica da Tesla ainda em construção perto de Berlim.

 

A VW também embarcou em um plano para reduzir os custos de material em 7% em dois anos e chegar a um acordo com os sindicatos no primeiro trimestre para reduzir os custos fixos em 5% até 2023. Diess, que no ano passado irritou muita gente com seu estilo de gerenciamento obstinado, insiste que a empresa não pode perder tempo.

 

“A reestruturação ainda está progredindo muito lentamente”, disse ele. Os renovados esforços para descartar pequenas marcas como Ducati e Lamborghini para se concentrar nas unidades VW, Audi e Porsche do grupo no ano passado não ganharam o apoio dos principais interessados. Diess disse que as operações de nicho respondem por menos de 1% da receita e serão reorganizadas para não desviarem o foco do negócio principal.

 

No mês passado, o ex-executivo da BMW recebeu um novo voto de confiança do conselho supervisor da VW para prosseguir com sua reestruturação e seus cortes de custos. Ele avisa que pode haver consequências terríveis se a empresa que emprega 670 mil pessoas em todo o mundo fizer muito pouco e tarde demais.

 

“Nem todo mundo percebe as ameaças à nossa empresa da mesma maneira”, disse Diess. (O Estado de S. Paulo/WP Bloomberg/Christoph Rauwald, tradução de Renato Prelorentzou)