O Estado de S. Paulo
O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, afirmou ontem que existe uma politização sobre o fechamento das fábricas da Ford, anunciado na segunda-feira. Em vez de se discutir quem é o culpado, segundo ele, o País deveria debater como resolver a falta de competitividade da indústria brasileira para evitar novos casos como o da montadora americana. Sem citar nomes, ele criticou ainda declarações de que o setor quer novos incentivos fiscais.
“Não queremos subsídios, queremos competitividade”, afirmou. Logo após o anúncio da Ford, o presidente Jair Bolsonaro disse que “faltou à Ford dizer a verdade: querem subsídios”. Segundo Moraes, nos encontros que o setor teve com o governo e nos estudos entregues à equipe econômica nos últimos dois anos não havia pedidos de incentivos, apenas sugestões de medidas para reduzir o chamado custo Brasil, para que as empresas de todos os setores possam atrair investimentos e competir melhor no mercado internacional.
Ressaltou que há mais de três anos o setor vem apontando dificuldades em se fazer negócios no Brasil e em atrair investidores. Uma delas é o “manicômio tributário” que dificulta e encarece a produção local. O termo também foi usado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ao justificar o fechamento das três fábricas da Ford – em Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE). Em 2019, o grupo já tinha fechado a unidade do ABC paulista.
“Quanto mais tempo levar para atacar os problemas críticos como burocracia, carga tributária e não devolução de créditos, mais aumenta o risco de soluções como a da Ford serem adotadas por outras empresas”, disse o executivo, que também é diretor da Mercedes-Benz, outra empresa que decidiu fechar a fábrica de automóveis premium em Iracemápolis (SP), no mês passado. Segundo ele, cada vez fica mais difícil defender novos investimentos com as matrizes.
Ele também reclamou da forma que considera pejorativa como são tratados os benefícios fiscais. “Se a carga não fosse elevada, não precisaria de incentivos.” Ele citou o exemplo do programa Inovar-auto, que vigorou de 2012 a 2017, período em que as montadoras investiram R$ 25 bilhões, dos quais 30% retornaram como apoio às empresas por meio de crédito de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e foram aplicados em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias.
Um dos resultados foi a redução de 12% do consumo de combustíveis, o que resultou em economia anual de R$ 7 bilhões aos consumidores. “É preciso parar com essa discussão de desmerecer o ativo que o Brasil tem que é a indústria automotiva, que traz novas tecnologias e empregos de qualidade”, disse o presidente da Anfavea.
Ociosidade
O setor automotivo tinha capacidade técnica para produzir 5 milhões de veículos ao ano, número que cairá para 4,5 a 4,7 milhões com as saídas da Ford e da Mercedes. Ainda assim, o setor vai operar com ociosidade acima de 50%.
Isso já era um problema para o setor desde 2014 e se agravou com a pandemia da covid-19. A situação é pior porque atualmente toda a indústria global também opera com ociosidade e a disputa por mercados se torna mais forte, em especial nesse momento em que as fábricas caminham para a eletrificação e automação dos veículos.
O Brasil ainda não discute uma política para a transição energética. Para Moraes, as empresas vão buscar países mais competitivos para colocar bilhões em investimento nessa reestruturação e, nesse jogo, “estamos entrando sem chuteira, com bola murcha e camisas rasgadas”.
Moraes ressaltou ao menos um benefício que surgiu da discussão sobre a Ford. “A ficha caiu”, disse ele. Segundo o executivo, vários parlamentares têm procurado a Anfavea para conversar sobre medidas que evitem a fuga de novas empresas. Há várias reuniões agendadas para os próximos dias, afirmou ele. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)