A Tarde
Após passar por várias crises nos últimos anos, o Brasil enfrenta novas dificuldades diante da pandemia e de forma inusitada, na avaliação Flávio Padovan, sócio da MRD Consulting. “Em qualquer outra crise é possível avaliar cenários e construir planos. Mas agora é difícil porque não se consegue prever a extensão nem a profundidade dela. O mercado oscila muito por perspectivas boas e ruins. Todos acreditam que a vacina possa funcionar e dê uma certa estabilidade”, avalia.
Do mercado, antes da pandemia ele já observava algumas tendências: a venda de carros mais para empresas do que para indivíduos, pessoas se desapegando da propriedade e entendendo que é mais barato contratar seu uso e as montadoras experimentando esse modelo.
Em paralelo isso, há um movimento de motores limpos, para ajudar o meio ambiente. “Vimos grandes avanços. Este ano devemos vender mais de 20 mil eletrificados e em 2021, mais de 40 mil carros. É uma tendência irreversível”, diz Padovan.
A pandemia acelerou algumas tendências, por causa da mudança de comportamento, trabalhando de casa, não saindo tanto de automóvel. “O mercado sofreu baque com a redução de demanda no início. Hoje vemos uma recuperação, e em seu ciclo essa retomada é longa. Num primeiro momento, as montadoras, diante da crise, cortam a produção. E a velocidade da reação é mais lenta. Na pandemia está sendo mais demorada ainda por causa da escassez de insumos e componentes. Hoje demanda maior que oferta”, explica o sócio da MRD Consulting, que tem larga experiência no setor automotivo.
Em suas estimativas, este ano o mercado termina cerca de 25% menor do que 2019, abaixo de dois milhões de unidades. “Em 2021, se fala em uma retomada e pode chegar a 2,3 milhões. E não por conta de um aumento de demanda, mas de uma recuperação. E ainda haverá restrição na capacidade de fornecimento de insumos”, afirma Padovan.
Do outro lado, analisa, o consumidor está mais responsável com meio ambiente e com o bolso: se ele fizer contas, e dependendo do tipo de uso, ele não vai comprar carro. “Ele planeja e compra a mobilidade. Aluguel, transporte público, todos os meios disponíveis”.
Essas tendências são gerais, em todos os países. Padovan acredita que o Brasil pode ser diferente pela utilização de mais modelos híbridos a etanol. E só não cresce por falta de uma política para incentivos e investimentos para uso do combustível vegetal. “Hoje o governo está paralisado com questões que envolvem a pandemia e a crise econômica, além da falta de foco. Acredito que a médio prazo isso seja retomado”, pondera.
Elétricos crescem
Os veículos elétricos continuarão vindo de fora, por algum tempo. A produção nacional depende de escala, e a escala aqui ainda é muito pequena. “Levamos dez anos para vender um pouco menos de 11 mil unidades. Em 2019 foram quase 12 mil. Este ano deve chegar a 20 mil. É um crescimento de mais de 60%, três vezes o mercado de 2018. Isso ainda é muito pouco. O Rota 2030 veio com uma proposta de criar um ambiente propício à inovação, à eletrônica embarcada etc. E não entregou algumas promessas e os incentivos aprovados foram todos para os híbridos. Hoje um híbrido paga bem menos imposto do que um elétrico puro no Brasil. Até mesmo um flex 1.0 paga 7% e o elétrico, de 7% a 25% de IPI”, argumenta Adalberto Maluf, presidente da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE).
Dos 11.861 eletrificados vendidos no país em 2019, apenas 538 foram elétricos puros. Outros 11.323 foram híbridos, incluindo o flex do Corolla. “É melhor que se comece com um híbrido para que se crie um espaço para os sistemistas, os fabricantes de autopeças”. E já há avanços: dos quase 20 mil eletrificados esperados para ser vendidos este ano, os puramente elétricos já passam de 640 unidades. “Já superou 2019. Em 2018 foram 176 puramente elétricos. Mas isso porque aumentou muito a quantidade de montadoras oferecendo. Hoje temos 15 marcas vendendo carros elétricos, 11 com híbridos e um com híbrido flex. São 53 modelos à venda no Brasil. Em 2018 eram 35, em 2017, 19 modelos. E isso vai crescer porque estamos atingindo outros nichos”, ressalta Maluf.
O consumidor também está mais confiante na tecnologia. Uma recente pesquisa nacional do Instituto Big Data e divulgada pelo Instituto Clima e Sociedade (ICS) aponta que, em três anos (2017 a 2020), subiu de 46% para 71% o total dos entrevistados que consideram provável que seu próximo carro seja elétrico. Já 91% declararam que gostariam de ter ônibus elétricos (ou mais ônibus elétricos) em circulação em sua cidade.
De acordo com o estudo, os números indicam uma mudança sensível na percepção sobre a mobilidade elétrica, em relação aos veículos a combustíveis fósseis, provocada em parte pela Covid-19.
Eletrificados na Bahia
As vendas de eletrificados na Bahia também avançam. A Lexus, por exemplo, já vem há algum tempo com o portfólio 100% híbrido. A Volvo, por sua vez, tem planos mais ousados, conforme explica Aurivalter Silva Junior, diretor comercial do Grupo GNC. “A Volvo antecipou o plano de eletrificação de toda a linha. A marca definiu que a partir de janeiro de 2021, 100% serão eletrificados. Não significa dizer que é tudo elétrico, porque tem a opção híbrida plug-in, de carregar na tomada e conduzir no modo que é 100% elétrico. E será de todo lineup”, afirma.
A BMW, que também é forte na Bahia, vem na mesma direção, embora ainda não tenha a intenção de ter todos os carros eletrificados. “Em relação a pontos de recarga, BMW e Volvo vêm em um processo de acordos, de elaboração, de implementação de eletropostos muito fortes. Cada uma à sua maneira, mas todas em um processo de eletrificação muito agressivo. Então, teremos muitas novidades, desde eletrificação para o início de 2021”, afirma o diretor do GNC.
Utilitários em alta
Outro destaque de 2020 e que merece ser citado é o segmento de veículos utilitários. “Os comerciais foram a surpresa dentro da pandemia. Alguns meses tiveram mais vendas de comerciais leves do que nos últimos três anos”, avalia Milad Kalume Neto, gerente de desenvolvimento de negócios da consultoria Jato do Brasil. “Entendemos que isso faz parte do processo de recuperação econômica no pós-crise provocado pelo aumento da demanda do brasileiro que ficou em casa”.
Para o consultor, todo mercado mostra uma recuperação contundente após o vale provocado entre os meses de março e julho. “Os números de vendas de zero-quilômetro hoje representam algo em torno de 90% a 100% daquilo que se vendia no período pré-pandemia”, observa. E Kalume acredita que o foco nos comerciais leves deve continuar também 2021. “Pessoas com baixa perda de renda aproveitaram o momento para adquirir veículos. Setor de delivery e agricultura estão em alta e utilizam também estes veículos”. (A Tarde/Lúcia Camargo Nunes)