Setor automotivo não deve recuperar melhor momento antes de 2030

Portal Veja

 

Assim como tantos outros setores da economia, a indústria de veículos sofreu impacto frontal da pandemia de coronavírus. Em abril, a produção praticamente parou em todo o país pelo alto risco de contágio dos trabalhadores, e nos meses seguintes os resultados nem de longe foram capazes de suprir tamanho prejuízo.

 

Com um cenário macroeconômico ainda incerto e o real desvalorizado, os preços subiram e os compradores se afugentaram. Ainda assim, o ano de 2020 deve se fechar com aproximadamente 2 milhões de veículos novos vendidos, O número representa redução de aproximadamente 30% em relação a 2019 e distante do patamar histórico de 2012, quando foram vendidos 3,8 milhões de automóveis – graças aos preços mais competitivos e aos incentivos do governo, que reduziu o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) da categoria à época. A retomada, agora, ocorre unidade por unidade e analistas do mercado estimam que a volta do nível de venda ao patamar histórico não aconteça antes de 2030.

 

A disparada da moeda americana não é o único fator que explica o encarecimento dos carros novos. As regulações que passaram a exigir a inclusão de airbags dianteiros e freios ABS em todos os veículos também devem ser levadas em conta na equação, mas é fato que estes são itens básicos para garantir o mínimo de segurança aos ocupantes e deveriam vir equipados de fábrica já há algum tempo. Hoje, a busca é por automóveis cada vez mais tecnológicos e conectados aos smartphones. O perfil dos compradores passou a ser o de alta renda, o que por si só não assegura a sustentabilidade a longo prazo de uma cadeia gigantesca. “O Brasil precisa de uma indústria que bata 4 milhões de vendas por ano, e isso não vai acontecer até pelo menos 2030”, arma Paulo Cardamone, CEO da Bright Consulting.

 

Não bastasse a brusca queda na produção de veículos novos, o setor ainda teme que as fábricas parem de funcionar por ausência de insumos. Produtos como aço, borracha, pneus e materiais plásticos estão em falta no mercado e comprometem o bom funcionamento das montadoras. “A indústria está tentando mitigar o risco de paralisação, mas milagre a gente não faz. Se faltar peça, a consequência será a dificuldade no faturamento de veículos. Existe o risco forte e pode acontecer em dezembro”, alertou Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Se em novembro de 2019 havia um estoque de 330 mil veículos na rede, hoje, há menos de 120 mil, volume suficiente para sustentar apenas 16 dias de vendas, e considerado o menor nível desde março de 2004.

 

Em condições normais, o setor automotivo brasileiro tem capacidade de vender pelo menos o dobro do volume até então registrado em 2020, mas restam dúvidas se as montadoras serão capazes de andar com as próprias pernas nos próximos anos. Fato é que o ambiente de negócios no país precisa estar propício para deixar a indústria minimamente competitiva. “A gente não pode esquecer que no começo de 2020 a expectativa era alta, de um mercado ascendente e que vendeu mais em 2019 do que em 2018. Para 2021, nossa projeção é de 2,4 milhões de unidades vendidas, mas seguramente o mercado brasileiro está preparado para produzir e vender 5 milhões de veículos por ano”, analisa Milad Kalume Neto, gerente de desenvolvimento de negócios da consultoria automotiva Jato Dynamics.

 

Com dificuldades para fechar a conta, as montadoras se viram obrigadas a demitir. Dos 126,4 mil trabalhadores que começaram 2020 empregados, 5,6 mil foram desligados por causa da crise, segundo a Anfavea. Esses postos podem não ser mais recuperados em função do forte processo de automação que o setor vem implementando para garantir a redução de custos e uma maior produtividade. “Felizes não podemos estar, mas estimávamos que o número de demissões fosse bem maior. Mesmo com a indústria se recuperando, o emprego deve se estabilizar ou até mesmo cair, haja vista que as empresas vão ficar muito mais automatizadas por conta da indústria 4.0”, projeta Cardamone.

 

A surpresa positiva foi o volume de 44 mil unidades exportadas no último mês de novembro, o melhor resultado desde agosto de 2018. A alta é justificada pelo represamento de envios ocorrido nos últimos meses, em função do estágio da pandemia nos países vizinhos, sobretudo na Argentina. Além disso, o crescimento também se deve por conta da antecipação de embarques para o encerramento do ano. De qualquer forma, o total de 286 mil unidades exportadas ainda é 28,4% menor que em 2019, que já havia sido um ano de forte queda, segundo a Anfavea. “Vamos recuperar o patamar de 2019 até o final de 2022. Ainda que dependa da economia, da retomada do emprego e do dólar, o Brasil tem a oportunidade de dar um salto quântico na indústria”, enxerga o CEO da Bright Consulting. É possível armar que o processo de digitalização das vendas avançou consideravelmente em 2020, até pelas limitações impostas pelo coronavírus. Mesmo com o atraso que 2020 representou para a indústria – que levará anos para se recuperar –, o caminho para a retomada passa pela automação do setor, pelas mais diferentes maneiras de conquistar os clientes e pela conectividade, com a produção de veículos que atendam e se adequem não apenas ao mercado doméstico, mas também ao internacional. (Portal Veja/Diego Gimenes)