O Estado de S. Paulo/Mobilidade
A eletrificação dos automóveis é um processo que impacta em diversas transformações na sociedade: na relação dos condutores com seus automóveis, na redução das emissões de gases causadores do efeito estufa, na infraestrutura para recarga das cidades, entre outras. Outro ponto fundamental diz respeito à capacitação de técnicos para que entendam e possam trabalhar com os veículos elétricos e híbridos, fator que precisa acompanhar o aumento da frota, que, com certeza, acontecerá nos próximos anos.
Para entender um pouco mais sobre o contexto da eletrificação no Brasil e no mundo e sobre a importância de estarmos preparados, conversamos com André Maranhão, 39 anos, engenheiro mecânico graduado pela Universidade Federal de Pernambuco. Em 2010, ele fez uma especialização na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI-USP) em veículos elétricos e híbridos e percebeu que atuar nesse segmento, na época ainda pouco explorado, era uma grande oportunidade. Desde então, Maranhão tem se especializado: atuou no lançamento do elétrico Nissan Leaf e há anos trabalha como consultor sobre esses veículos, ministrando formações e multiplicando seu conhecimento para que outros profissionais possam seguir por esse caminho.
Como você vê o cenário de elétricos e híbridos no mundo?
André Maranhão: As tendências de eletrificação e hibridização são muito promissoras. Existem dois pontos fundamentais: o primeiro em relação às emissões de dióxido de carbono (CO2), cujas regulações estão cada vez mais exigentes no mundo todo, e o segundo refere-se ao mercado. Na Europa e em países como Estados Unidos e Japão, por exemplo, em que o processo está mais avançado, muitos veículos com motores a combustão já encontram dificuldades para serem aprovados nos testes de emissões. E temos que considerar, também, que os consumidores exigem muito mais dos carros do que o simples ir e vir: eles querem conectividade, acesso às redes sociais e direção autônoma. Outro aspecto que entra nessa discussão é a sustentabilidade, pois essa é a preocupação crescente que faz com que o mercado acompanhe esse movimento.
E as montadoras, como estão atuando nas principais queixas dos consumidores, como em relação ao custo e à duração da bateria?
Maranhão: Os veículos elétricos têm, de fato, custo maior, principalmente pelo valor da bateria, que já chegou a representar, há alguns anos, quase 50% do valor do automóvel. Com o aumento da produção e os ganhos de escala, esse custo tem se reduzido e, hoje, estima-se que entre 30% e 35% do total provém da bateria. Também tem evoluído muito o preço do quilowatt por hora (kwh) e algumas projeções indicam que, quando chegarmos a US$ 100 por quilowatt por hora de capacidade energética, os elétricos estarão no mesmo patamar de preço dos carros convencionais ou até abaixo. Hoje, as montadoras dentro e fora do Brasil oferecem prazo de garantia de oito anos, o que prova que o equipamento é confiável. Também é importante reforçar que há opção de segunda vida da bateria, podendo usá-la como no-break, em conjunto com eletrificação solar, entre outras opções para sua reutilização e reciclagem.
No Brasil, você vê alguma tendência para a compra desses veículos?
Maranhão: Em 2018, foram vendidas 3.970 unidades de automóveis híbridos e elétricos no Brasil, de acordo com a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). Em 2019, foram 11.858 carros, ou seja, o número triplicou e, neste ano, mesmo com a pandemia, já ultrapassamos essa marca. Mas ainda existem alguns entraves além do preço: disponibilidade ou infraestrutura para carregamento nas cidades e incentivos governamentais para isso. É necessário um trabalho articulado entre montadoras, demais empresas e o Poder Público para disponibilizar esses carregadores e dar mais confiança às pessoas. Eu não vejo o tempo de carregamento como grande dificultador: as pessoas têm essa preocupação, mas isso não impede a compra, principalmente porque a maioria da população não roda mais que 70 quilômetros por dia.
O funcionamento desses veículos é muito diferente dos carros com motor a combustão?
Maranhão: Nos automóveis elétricos, os sistemas de direção, suspensão e freios são muito semelhantes aos dos veículos convencionais. Mas, quando falamos de propulsão, no lugar de um motor de combustão interno, com vários subsistemas agregados – como escapamento, admissão de ar, alimentação de combustível, entre outros –, há um motor elétrico. Então, o tanque de combustível é substituído por uma bateria, e existem novos componentes, como conversores de tensão, inversores para carregamento na tomada, entre outros. No caso dos híbridos, veículos que contam com os dois tipos de propulsão, eles possuem todos os componentes dos carros convencionais, mais os dos elétricos.
Você acredita que as montadoras estão se preparando para a eletrificação?
Maranhão: Sim, sem dúvida. Todas elas estão focadas em eletrificação, e a maioria possui, em seu portfólio, veículos elétricos, híbridos ou ambos. Só que essa preparação para a eletrificação não é de uma hora para outra, pois requer mudanças até de cultura organizacional. É necessário investir em infraestrutura de carregamento, na capacitação dos técnicos e das concessionárias para manutenção e reparo desses veículos. O próprio time de vendas, por exemplo, precisa saber informar como eles funcionam, esclarecendo essas dúvidas dos clientes. Também é necessário mudanças de infraestrutura na rede: é preciso usar ferramentas específicas, mudanças de layout, local próprio para reparo das baterias, uma série de adaptações para acomodar as demandas que o aumento nas vendas desses automóveis trará em breve.
Quando e por que decidiu virar consultor para elétricos e híbridos?
Maranhão: Eu comecei nessa área, em 2010, depois que cursei uma especialização na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI-USP), e meu trabalho de conclusão foi sobre automóveis elétricos e híbridos. A partir daí, fui estudando e me aprimorando, com o meu trabalho em montadoras – como na Nissan, onde trabalhei na época do lançamento do Leaf, e na Audi, onde atuo hoje. Um consultor automotivo precisa conhecer essas novas tendências e isso tem relação direta com elétricos, híbridos, veículos movidos a célula de hidrogênio e autônomos. Acredito que todas essas tecnologias, mais o compartilhamento, compõem o futuro da mobilidade e devem ser levadas em conta e compreendidas por um profissional que atue na área.
Quem costuma frequentar seus treinamentos e quais são as dúvidas comuns?
Maranhão: Existem vários perfis interessados: técnicos, sistemistas de montadoras, entusiastas e até jornalistas. De maneira geral, as dúvidas estão relacionadas com a segurança. É muito comum a pergunta sobre choque elétrico – por exemplo, se fazer a manutenção da bateria dá choque e quais ferramentas devem ser usadas. Aqui vale a explicação de que é fundamental usar os equipamentos de proteção individual específicos, além de seguir os procedimentos corretos, pois há mesmo risco de choque durante o reparo. Outra dúvida comum é onde fica a chave geral para desligamento do sistema de alta tensão – o que varia conforme o modelo: no assoalho ou na parte inferior do capô. (O Estado de S. Paulo/Mobilidade/Daniela Saragiotto)