O Estado de S. Paulo
Uma frente formada por montadoras de veículos e usinas de álcool iniciou discussões com governo federal sobre um projeto para colocar o etanol como uma das soluções globais para mover carros elétricos sem gerar poluentes. A ideia do grupo é acelerar pesquisas e desenvolvimento para uso do etanol em carros híbridos e também movidos a célula de combustível, por meio da retirada do seu hidrogênio para movimentar o motor elétrico. Os dois setores dizem estar dispostos a investir na empreitada.
Para o Brasil, algumas das vantagens seriam o uso de um combustível farto no País, a preservação da infraestrutura de postos de distribuição e a não necessidade de postos de recarga, pois, no caso da célula de combustível, a energia seria gerada dentro do próprio carro com uma pegada de carbono muito baixa. Além disso, as energias hidrelétrica, eólica e solar ficariam para o abastecimento industrial e residencial.
Só para desmobilizar toda a infraestrutura de abastecimento de líquidos e transformar em fornecimento de energia elétrica seriam gastos cerca de R$ 1,5 trilhão, segundo estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Já há países interessados no projeto brasileiro, entre os quais Índia, Indonésia, Tailândia e África do Sul, segundo o presidente da União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica), Evandro Gussi.
A sugestão de formar essa frente partiu do presidente da Volkswagen América do Sul e Brasil, Pablo Di Si, para quem a nova tecnologia “poderia dar ao Brasil outra dimensão a nível global” para o projeto de eletrificação veicular. A proposta já teve
Desempenho
De acordo com Evandro Gussi, presidente da Unica, estudos mostram que um veículo rodando a etanol tem emissões menores do que o melhor elétrico rodando na Europa hoje a adesão das 150 associadas da Unica e de algumas montadoras, mas a ideia é que a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) assuma o tema.
Técnicos dos ministérios da Agricultura, Infraestrutura e Minas e Energia que ouviram a proposta demonstraram interesse, informa Di Si. Para desenvolver o projeto, o executivo tem apoio do presidente mundial da Volkswagen, Herbert Diess. Em recente entrevista, ele disse que “o etanol é adequado para a etapa intermediária de um acionamento totalmente elétrico” e que “existe uma indústria no Brasil para isso”.
No caso da Europa, afirma Diess, não há suporte político para biocombustíveis. Vários governos da região incentivam a compra de carros elétricos com subsídios, mas, conforme lembra Gussi, há locais em que o fornecimento da energia vem de fontes fósseis. “O carro não emite poluentes, mas a eletricidade que ele usa vem de uma usina a diesel ou carvão”, diz.
Segundo Di Si, além de montadoras, usinas e governo, o projeto vai envolver diversas universidades para o desenvolvimento da tecnologia que permita ao etanol ser mais uma alternativa para abastecer carros elétricos. “Já se consegue captar energia do sol e do vento, por que não fazer o mesmo com o etanol?”, questiona o executivo, para quem o Brasil poderá inclusive exportar conhecimento e inovação.
Efeito pandemia
A nova investida de colocar o etanol como um dos protagonistas do “combustível verde” ocorre num momento em que todo o mundo discute formas de reduzir emissões. “Com todas as tormentas da pandemia da covid-19, uma das coisas que ficaram de pé foi a demanda por uma mobilidade sustentável”, ressalta Gussi.
“Teríamos uma fonte energética de baixíssima pegada de carbono aliada à eletrificação, que traz ainda mais eficiência para o processo”, reforça o presidente da Unica. Ele lembra que o Brasil já tem experiências e cita os casos da Toyota, fabricante no Brasil do Corolla híbrido flex, que permite o uso de gasolina ou etanol para gerar a energia da bateria; estudos da Nissan para uso do etanol de segunda geração como fonte de energia de veículos a célula de combustível; e o projeto da Fiat de um motor só a etanol, que vai reduzir a diferença de consumo do combustível da cana de açúcar, hoje 30% maior que o da gasolina.
Procurada, a Anfavea informa que o tema ainda está sendo debatido dentro da segunda fase do programa Rota 2030 (que estabelece metas para eficiência energética) e ainda não há um alinhamento das empresas. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)