AutoIndústria
Por envolver bens de alto valor e margens de comercialização reduzidas, a alavancagem financeira sempre foi de extrema importância no negócio dos concessionários, tanto na compra quanto na venda. Com a Covid-19, ações de redução de taxa Selic não têm resultado em redução de custo ao consumidor final. Confira o porquê neste artigo.
O financiamento de veículos no varejo é apenas a faceta mais conhecida do extenso rol de operações dos agentes financeiros no comércio de automóveis. A atuação das instituições financeiras geralmente começa com a transação da montadora para o concessionário. Este compromete seus recursos ao comprar os veículos da montadora, pagando à vista ou a prazo.
A necessidade de um processo de maior confiança nas vendas a prazo levou à criação do Floor Plan no início do século XX. O concessionário abre uma linha de crédito junto ao banco indicado pela montadora, dando garantias ou fiança, e o veículo é faturado contra o concessionário. O banco paga a montadora e recebe do concessionário depois de vender a unidade no varejo, fechando o ciclo.
Outras operações do lado de atacado são a compra de peças de reposição, estoque de usados e capital de giro. Com a pandemia, muitos bancos de montadoras abaixaram seus spreads e abriram prazos maiores para pagamento, permitindo um alívio de caixa aos concessionários. Esses são clientes cativos, com linhas de crédito escoradas em garantias reais junto ao banco e com mínimo risco de inadimplência.
Em um momento em que a sobrevivência dos concessionários está sob risco extremo, com queda de 75% dos negócios, interessa tanto à montadora quanto ao banco associado que elas prossigam com suas atividades.
Do lado do varejo, as coisas não são tão simples: os custos são maiores e os riscos também. Mesmo com a redução na Selic, os juros reais cresceram pela sinalização de maior inadimplência, reflexo do isolamento social e paralização de muitas atividades. Entre tantas contas a pagar, alguns consumidores escolhem as prestações do automóvel como aquelas de menor impacto na sua vida.
Além disso, há outros efeitos negativos que diminuem ainda mais as vendas no varejo: o aumento do dólar, que afeta componentes importados e comodities, os custos logísticos ampliados, o custo de ociosidade das fábricas e, finalmente, os custos do financiamento.
Com a falta de recursos entre os clientes, muitos bancos de montadoras trouxeram propostas de financiamento com primeira parcela para 2021, uma ótima solução para fluxo de caixa, mas péssima para o custo do financiamento, pois aumenta o risco de inadimplência e posterga muito o pagamento com uma taxa de juros alta para o momento – nem tudo aquilo que agrada o coração vai bem no bolso.
Os financiamentos subsidiados também sofreram um choque com a pandemia. Com o aumento vertiginoso de preços – quase 10% em 2020 para algumas empresas –, houve a necessidade de incentivar as vendas com bonificações ou supervalorização do usado. Como todas essas operações consomem recursos e estes são escassos, faltou subsídio e os juros subiram. São vários fatores que tornam difícil a recuperação da pandemia.
Os usados se constituem hoje em uma boa oportunidade de negócio para os consumidores finais. Com a redução dramática dos negócios das locadoras – estima-se 120 mil veículos devolvidos apenas com a paralisação do Uber – e com a necessidade dos concessionários venderem seus estoques para fazer caixa, os carros usados devem demorar mais tempo para recuperar seus preços: bom para quem quer comprar, mas ruim para quem quer trocar seu usado por um veículo novo.
É hora de negociar, barganhar por preço e por financiamento, procurando oportunidades em estoques antigos, cores com menor demanda, ou veículos menos equipados, com preços que ainda constam da “tabela antiga”. Os preços ainda vão subir mais. (AutoIndústria/Alzira Rodrigues)