Diário do Transporte
Uma pesquisa realizada com aproximadamente 26 mil pessoas em 25 países durante os meses de julho e agosto traz um dado preocupante para o clima do planeta. E em particular para o sistema de transporte coletivo do Brasil.
O levantamento identificou uma intenção generalizada das pessoas de utilizar mais o automóvel após a pandemia do que antes, apesar dos esforços em muitos países para se criar mais espaço nas cidades para meios de transporte seguros e sustentáveis. Este, evidente, não é o caso do Brasil, onde a infraestrutura voltada ao transporte coletivo continua rara exceção em poucas cidades.
A pesquisa foi aplicada pelo YouGov-Cambridge Globalism Project, em conjunto com o jornal inglês The Guardian.
Como ressalta matéria do jornal publicada nesta terça-feira, 10 de novembro de 2020, a pesquisa traz uma evidente desconexão entre crenças e ações, “uma vez que a esmagadora maioria dos entrevistados (mais de três para um) concordou que a humanidade é principal ou parcialmente culpada pela emergência climática”.
“Isso aumenta o temor de que, sem uma forte intervenção política, essas ações possam minar os esforços para cumprir as metas estabelecidas no acordo de Paris e as esperanças de uma recuperação verde da crise do coronavírus”, alerta The Guardian.
Essa tendência surge aparente em todos os 26 países da pesquisa, com destaque para o Brasil, onde 62% disseram que usariam o carro mais do que antes da pandemia, enquanto apenas 12% disseram que usariam menos. Situação semelhante à da África do Sul, onde 60% disseram que pretendem utilizar mais o automóvel diante de 12% que afirmaram que não.
Nos EUA e na Austrália, o índice dos que afirmaram que passarão a dirigir também é alto, apesar de menor que no Brasil: 40% em comparação com 10% que disseram o contrário.
A pesquisa identificou tendência semelhante, mas menos forte, em países como Reino Unido, Itália, Alemanha, Índia e China.
O jornal inglês acredita que esse resultado possa ser em parte devido às dificuldades de espaçamento social adequado no transporte público, o que na prática significará mais tráfego, mais congestionamento e mais emissões.
No caso do Brasil, e diante da crise persistente e duradoura do transporte público coletivo, essa é uma péssima notícia. O desafio está em descobrir o que poderão fazer os novos prefeitos para equilibrar receitas e despesas no transporte, garantindo uma tarifa acessível e um transporte com o mínimo de qualidade e atratividade. Do contrário, com a desarticulação do transporte regular, será inevitável, ao lado do surgimento de meios clandestinos de locomoção, o crescimento das emissões de poluentes, do número de acidentes e dos congestionamentos que reduzirão a produtividade das cidades.
Aquecimento global não é uma farsa
O Brasil, com 88%, está entre os países que apresenta maior apoio à visão cientificamente comprovada de que o aquecimento global é resultado de ações humanas, à frente do Reino Unido (86%), China (87%), Japão (85%), e Espanha (87%).
Apesar disso, o brasileiro não pensa em renunciar ao automóvel, mesmo sabendo dos impactos causados ao meio ambiente pelos congestionamentos.
Os resultados mais fracos estão em países produtores de petróleo, embora mesmo nesses lugares, por sua forte dependência das vendas de combustíveis fósseis, uma maioria substancial reconheceu o papel da humanidade na desorganização climática.
A Arábia Saudita ficou em último lugar com 57%, depois o Egito com 67% e os EUA com 69%.
O jornal acredita que este amplo reconhecimento da ciência provavelmente fortalecerá os apelos por esforços internacionais mais ambiciosos para reduzir as emissões industriais e agrícolas de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa que estão intensificando o aquecimento global e eventos climáticos extremos, como tempestades, inundações e secas.
Já quando perguntados se acreditam que o aquecimento global é uma farsa, os moradores do Reino Unido são os que mais discordam dessa visão negativista, com apenas 9%. No entanto, os EUA, provavelmente pela forte atuação contrária ao Acordo de Paris assumida pelo presidente Donald Trump, surge com 27%, ao lado de países produtores de petróleo, como Nigéria (31%) e Arábia Saudita (27%).
Ao perguntar sobre mudança de comportamento, as variações são muito maiores de país para país.
Viagens aéreas
Enquanto os ativistas do clima pediram uma redução nas viagens aéreas, grande fonte de emissões, essa forma de deslocamento caiu acentuadamente durante os bloqueios de coronavírus em vários países. No entanto, a pesquisa identificou uma grande discrepância sobre os planos das pessoas de voar após a pandemia em comparação com antes.
Em vários países, o número de pessoas que disse que planejava usar menos aviões foi maior do que o número que disse que iria usá-los mais.
De novo, o Brasil aparece na contramão, com 22% afirmando que voariam menos após a pandemia diante de 41% que afirmaram que viajarão mais.
Já em outros país, a tendência se inverteu: no Reino Unido 30% afirmaram que voarão menos após a pandemia, contra 15% que afirmaram que voarão mais), Itália (34% menos diante de 18% mais), Alemanha (31% menos contra 17% mais) e Índia (42% menos e 21% mais).
Nos Estados Unidos, China, França e Japão, havia pouca diferença entre as duas intenções.
Na Suécia, Brasil, Egito e Nigéria, um número maior planejou mais férias no exterior do que menos. No Reino Unido, Itália, Alemanha, China e Tailândia, por outro lado, a tendência era mais para feriados domésticos. (Diário do Transporte/Alexandre Pelegi)