Acordo entre UE e Mercosul sofre novo revés

O Estado de S. Paulo

 

O Parlamento Europeu aprovou ontem resolução em que manifesta oposição a um acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, dizendo que o pacto “não pode ser ratificado como está”. A decisão tem caráter simbólico, já que os termos da negociação ainda precisam passar pelo plenário da Casa, bem como pelos Parlamentos nacionais dos dois blocos.

 

Em uma versão preliminar, o documento chegou a citar a política ambiental do presidente Jair Bolsonaro como justificativa para a anulação do acordo. Trecho destacava a “extrema preocupação com a política ambiental de Jair Bolsonaro, que vai na contramão dos compromissos firmados no Acordo de Paris (que prevê metas para a redução da emissão de gases do efeito estufa), em particular no que trata do combate ao aquecimento global e proteção da biodiversidade”.

 

A menção a Bolsonaro foi retirada da redação final da resolução. Ainda assim, afirma que o tratado de integração deve “assegurar a competição livre e garantir os padrões e métodos de produção europeus”. Lembra que o acordo tem um capítulo específico que exige o cumprimento de normas de desenvolvimento sustentável. A votação teve 345 votos a favor da resolução, 295 contra e 56 abstenções.

 

No ano passado, após duas décadas de negociações, os países da UE e do Mercosul (Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai) anunciaram um acordo abrangente para criar a maior zona de livre-comércio do mundo. No entanto, a ratificação do tratado pelos governos europeus encontra resistência firme, em parte devido ao desmatamento acelerado no Brasil e também devido a temores de agricultores europeus do que chamam de concorrência desleal por parte de empresas sul-americanas.

 

Em 21 de setembro, o vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, disse que a UE esperava “um claro compromisso” do Mercosul de garantir que respeitará a seção “desenvolvimento sustentável” do acordo.

 

Os parlamentos da Áustria e da Holanda já descartaram a ratificação do acordo na sua forma atual, enquanto Bélgica, Irlanda, Luxemburgo e França estão relutantes. Até a Alemanha, grande divulgadora do texto, expressou dúvidas sobre o futuro do tratado. “Temos sérias dúvidas de que o acordo possa ser aplicado conforme o planejado”, disse mês passado o porta-voz da chanceler Angela Merkel, Steffen Seibert.

 

“Ruído”

 

Na avaliação do vice-presidente Hamilton Mourão, há “ruído” na decisão do Parlamento Europeu de rejeitar simbolicamente o acordo e que se trata de uma “questão de diplomacia”.

 

“Tem muito ruído nisso aí. Tudo faz parte do trabalho diplomático que tem de ser feito. Vamos com calma”, disse ele.

 

Ainda segundo Mourão, a discussão de um acordo de livre-comércio envolve “muitos interesses”, o que dificulta seu avanço.

 

“O lobby dos agricultores europeus é muito grande. Também tem a questão dos partidos verdes na Europa que são muito fortes. Tem países que estão em processo eleitoral. Países que estão vivendo crises internas ali. As pressões são enormes. Temos de ir manobrando pouco a pouco”, declarou.

 

Para Mourão, essa decisão é possível de ser revertida e a viagem de embaixadores para a Amazônia pode contribuir com isso. “Lógico, tudo é reversível. Só tem duas certezas na vida: a morte e pagar imposto.” A visita com os embaixadores, segundo Mourão, está prevista para novembro, mas vai depender da situação da pandemia.

 

Em setembro, o governo brasileiro afirmou que a não aprovação do acordo seria um desincentivo aos esforços do País para fortalecer sua legislação contra desmatamentos e queimadas e poderia agravar ainda mais os problemas ambientais da região.

 

Mas autoridades europeias consideram improvável que a matéria consiga superar os tramites burocráticos, a não ser que haja uma reversão do avanço do desmatamento na Amazônia. Na semana passada, o eurodeputado português José Manuel Fernandes, que chefia a delegação responsável pelas relações com o Brasil, pediu que as duas partes dialoguem para solucionar o impasse.

 

Críticas

 

O acordo entre União Europeia e Mercosul foi fechado em junho de 2019, após vinte anos de negociações marcadas por idas e vindas. Desde então, porém, a política ambiental do governo entrou na mira de investidores e de autoridades, inclusive europeias. Episódios como as queimadas na Amazônia, em meados do ano passado, e no Pantanal, mais recentemente, ajudaram a reforçar a imagem negativa da política de preservação ambiental do Brasil no exterior.

 

Na nota, a Economia reafirmou seu entendimento de que o acordo “não representa qualquer ameaça ao meio ambiente, à saúde humana ou aos direitos sociais”. “Ao contrário, reforça compromissos multilaterais e agrega as melhores práticas na matéria. O acordo contém dispositivos destinados ao fortalecimento da sustentabilidade ambiental e contempla atividades de cooperação técnica para a preservação da biodiversidade, o gerenciamento de florestas nativas, a pesca e a vida animal”, diz o comunicado. (O Estado de S. Paulo/André Marinho e Emilly Behnke)