Cientistas se inspiram no Egito Antigo para melhorar células a combustível

O Estado de S. Paulo

 

Em um contexto em que os países precisam reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, a corrida por automóveis movidos a célula a combustível que tenham um preço razoável está acirrada. Se os carros do amanhã serão todos movimentados de forma elétrica, conseguir que eles sejam eficientes e baratos passa a ser fundamental. Caso contrário, as maiores montadoras do mundo que investem atualmente nessa tecnologia não vão conseguir oferecer um produto com um bom custo-benefício aos consumidores. Além de algo que seja bastante seguro.

 

As chamadas células a combustível são importantes, por exemplo, porque elas podem fazer com que os carros elétricos tenham mais autonomia e possam, de repente, ser abastecidos diretamente nos postos de combustíveis. A outra opção tecnológica em desenvolvimento para os automóveis movidos a eletricidade, vários já em nível comercial, requer bateria e uma rede elétrica com pontos de recarga espalhados por todos os lados.

 

Dentro das pesquisas sobre as células a combustível, uma das matérias-primas energéticas mais eficientes até agora é o hidrogênio. Mas, no Brasil, existem projetos científicos em andamento entre o setor privado e a universidade que visam substituir o hidrogênio pelo etanol. Isso também significaria uma fonte de energia limpa e sem emissão de carbono para a atmosfera, ao contrário do que ocorre com a gasolina e principalmente o diesel. Tanto o hidrogênio quanto o etanol serviriam como fonte energética para os carros elétricos circularem sem a necessidade de uma bateria.

 

Egito antigo

 

Na tentativa de obter células a combustível mais modernas, pesquisadores americanos da Universidade Johns Hopkins foram se inspirar nos antigos egípcios para desenvolver um equipamento que possa ser ao mesmo tempo eficiente e mais barato, o que abriria portas para ele ser produzido em larga escala.

 

Os cientistas conseguiram revestir com uma minúscula camada de platina – da ordem de um bilionésimo de metro – um núcleo de cobalto, material muito mais barato, sem que o catalisador que poderá ser usado no carro elétrico perdesse rendimento. Ao diminuir a quantidade de platina necessária para a confecção da peça, em relação ao que se utiliza hoje, os ganhos econômicos são expressivos. A platina, além de ser cara, também é um metal raro, de mais difícil obtenção.

 

A pesquisa publicada este ano na revista Nano Letters teve uma inspiração nos artistas do Egito Antigo que viveram na época do rei Tutancâmon, segundo os seus autores. Naquele período, de acordo com o que historiadores e arqueólogos mostram, era frequente o uso de finas camadas de metais preciosos, como o reluzente ouro, em máscaras e joias feitas, na verdade, de cobre, um metal barato e mais abundante.

 

“Esta técnica pode acelerar a saída da era dos combustíveis fósseis”, afirma Chao Wang, professor de engenharia química e biomolecular da Johns Hopkins e principal autor do estudo. “Isso não apenas reduzirá o custo das células a combustível. Também melhorará a eficiência e o desempenho energético de veículos elétricos limpos movidos a hidrogênio.” Segundo Wang, assim como no passado, a “ideia foi colocar um pouco do precioso tesouro [no caso, a platina] sobre as coisas baratas [ou seja, o cobalto]”.

 

A platina é considerada um material crítico na indústria moderna. Além de ser usada pela indústria das joias e em células a combustível, elas também são utilizadas como catalisador na indústria do petróleo e no setor petroquímico. “O alto custo da platina e a disponibilidade limitada que ela apresenta fazem com que seja impraticável, até agora, usá-la em tecnologias de energia limpa.”

 

Os cientistas também conseguiram, conforme atestam os resultados, melhorar a eficiência da platina em quase dez vezes ao combiná-la com o cobalto. “O contato íntimo entre o cobalto e a platina dá origem a uma tensão compressiva”, disse Lei Wang, outro autor da pesquisa, que não tem parentesco com Chao. “Isso encurta a distância entre os átomos de platina e torna as reações químicas mais viáveis na superfície”, afirma o cientista.

 

Com o mercado automobilístico cada vez mais voltado para a busca de fontes limpas de energia, os próximos anos serão, provavelmente, de novidades neste segmento, apesar das consequências da pandemia. Os modelos com células a combustível disponíveis em países da Ásia ou nos Estados Unidos estão ainda acima dos 100 mil dólares. Além disso, o motorista tem que arcar com o alto custo do preço do hidrogênio, apesar dos subsídios em certas regiões, como na Califórnia. (O Estado de S. Paulo)