A indústria na contramão

O Estado de S. Paulo

 

Com ou sem pandemia, com ou sem crise internacional, a indústria brasileira há anos perde posições no mercado global. Na contramão dos grandes emergentes, o Brasil recua na industrialização, enfraquecido pelo baixo investimento em capacidade produtiva, modernização e inovação de processos e produtos. Enquanto seu agronegócio disputa as primeiras posições no comércio mundial, sua indústria se torna menos presente, exceto pela atuação de alguns grupos empresariais e de uns poucos segmentos. Enfraquecido, o setor tem ficado menos atrativo também para o investidor estrangeiro, mais interessado em outros negócios, como serviços e mineração. O alerta, disparado há vários anos, acaba de ser reforçado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

 

Em 2014 a indústria de transformação brasileira ocupava o 10.º lugar entre as maiores do mundo. Em 2019 ficou no 16.º. Nesse intervalo, o Brasil havia sido superado, como potência industrial, por México, Indonésia, Rússia, Taiwan, Turquia e Espanha, segundo levantamento divulgado na semana passada pela CNI. A participação brasileira na produção mundial passou de 1,24% em 2018 para 1,19% em 2019, chegando ao ponto mais baixo da série iniciada em 1990.

 

Especialistas poderão divergir sobre alguns pontos, em seus diagnósticos, mas dificilmente deixarão de reconhecer alguns dados básicos. Houve pouco empenho na busca de padrões internacionais de competição. A indústria aeronáutica é uma das poucas exceções, talvez a mais notável.

 

Os fabricantes brasileiros permaneceram muito protegidos e pouco integrados nos fluxos internacionais de produção e comércio. O Mercosul deveria ter sido uma plataforma de integração global, mas acabou dominado, a partir da aliança entre petismo e kirchnerismo, por um pacto de mediocridade. No Brasil, o protecionismo foi reforçado, por vários anos, por uma desastrosa política de promoção de campeões nacionais, com enorme custo para os cofres federais e nenhum ganho para a maior parte da indústria.

 

Sem pressão concorrencial, a mudança tecnológica e as práticas de inovação foram pouco valorizadas. Essas deficiências ficam mais visíveis quando se observa o contraste entre os chamados setores secundário e primário.

 

O agronegócio experimentou ao mesmo tempo a exposição gradual aos mercados e a mudança tecnológica, baseada em grande parte na ação da Embrapa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Outras instituições participaram da produção de conhecimentos, proporcionando ao campo condições de modernização. Ao contrário da indústria de transformação, a agropecuária foi guiada pela busca de padrões globais de competitividade. Além disso, a continuidade de boas políticas ajudou o sucesso de uma agropecuária muito menos subsidiada e protegida que a dos países mais desenvolvidos.

 

Nada parecido com isso ocorreu no caso da indústria. Nunca se consolidaram, no País, políticas bem desenhadas de ciência e tecnologia para a maior parte do setor industrial. As tentativas de cooperação entre empresas e universidades podem valer estudos de casos, mas têm sido pouco significativas como ações de modernização setorial. A ideia de modernização parece deslocada, no entanto, quando nem se fala seriamente da formação de capital humano.

 

Problemas associados ao ambiente de negócios são conhecidos. Capital caro e escasso tem sido o normal há muito tempo. A tributação pouco funcional é outro fator importante. Não se trata apenas do peso, mas também da qualidade dos tributos, incompatíveis com uma economia mais aberta.

 

Não há como eliminar esses defeitos sem cuidar da tributação estadual, mas nenhum projeto amplo foi apresentado pelo governo atual. A fusão de dois tributos federais, única mudança encaminhada pelo ministro da Economia, é um avanço insignificante. Para propor algo relevante, ele precisará, no entanto, dar mais atenção ao mundo real. Os problemas das empresas vão muito além dos encargos sobre a folha – uma ideia fixa – e nada se resolverá com a recriação de um monstrinho tributário, a CPMF.

 

Mesmo sem crise, a indústria brasileira há anos perde peso na economia global. (O Estado de S. Paulo)