A indústria ideal. E o que nós temos de fazer para chegar lá

O Estado de S. Paulo

 

O Brasil produziu 5,2 milhões de carros no último ano, gerando três mil novos empregos diretos e mais de 30 mil indiretos. As exportações responderam por 45% do volume. Montadoras e fornecedores investem pesado em tecnologias desenvolvidas em parceria com universidades locais. A cadeia automotiva volta a puxar o desenvolvimento industrial e carros elétricos nacionais começam a ser produzidos.

 

Num mercado pré-pandemia de 2,9 milhões de carros em 2019, com previsão de queda de cerca de 40% para 2020, o cenário descrito acima parece utópico. Mas por mais improvável que possa parecer, ele é possível.

 

Se ajustarmos distorções, investirmos nas áreas certas e trabalharmos juntos desde agora – iniciativa privada, governo e sindicatos –, em um futuro não tão distante o setor automotivo pode ser um catalisador da indústria e da economia.

 

Os entraves para a retomada do crescimento são velhos conhecidos: tributação, logística, exportação e endividamento. Começando pela reforma tributária. Ela não pode somente simplificar, precisa melhorar a competitividade do país e facilitar a inserção no comércio mundial.

 

É preciso desonerar, especialmente folha de pagamento e investimentos, além de tratar da devolução imediata dos créditos tributários, eliminar o resíduo tributário às exportações, resolver os contenciosos e não criar outros.

 

Precisamos contar com o mercado externo e ter capacidade de competir com países como Coreia do Sul e México. Enquanto o carro exportado pelo Brasil carrega até 15% de resíduo tributário, o mexicano leva 2% e o coreano 0,3%.

 

Temos uma lei que prevê a devolução dos impostos indiretos dos produtos exportados. O Reintegra pode chegar a 5%, porém hoje ele devolve 0,1%.

 

Os carros produzidos no Brasil vêm num crescente em segurança, eficiência energética e tecnologia.

 

Dados do Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) mostram que nos últimos 40 anos os veículos leves reduziram radicalmente os níveis de emissões de poluentes: 95% para monóxido de carbono, 98% para hidrocarbonetos, 96% para óxidos de nitrogênio e 87% para aldeídos.

 

Os itens de segurança, desde o cinto de três pontos, passando por freios ABS e airbags, até chegar no Isofix e Top Tether, tornaram os carros mais seguros.

 

A tecnologia embarcada também evoluiu. A Chevrolet oferece conectividade nível quatro, com conexão sem fio, central multimídia, telemática avançada e Wi-Fi.

 

Além de todas essas conquistas, temos uma excelente agenda com novos itens e metas. A indústria é a maior interessada nessa evolução. Porém, é preciso planejamento de longo prazo, previsibilidade e muito investimento.

 

Com a pandemia, fábricas foram fechadas, paralisando a produção e, também, as pesquisas, testes, grupos de trabalho e discussões sobre regulamentações técnicas de emissões. Há muitas pendências e precisamos de pelo menos 24 meses entre publicação e implementação para desenvolver, testar, capacitar fornecedores e homologar produtos.

 

Ademais, para preservar empregos, tomamos medidas emergenciais que dobraram o nível de endividamento, cortamos custos e adiamos investimentos. Agora, o capital está comprometido a manter o negócio e pagar novas dívidas adquiridas.

 

Sendo assim, é fundamental que possamos adiar alguns marcos regulatórios para evitar que investimentos deixem de ser realizados. E é importante frisar que esta é uma questão de adiamento, jamais de não cumprimento.

 

Mas a política pública mais efetiva para melhorar a qualidade do ar e diminuir índices de mortalidade no trânsito é a que promoverá a renovação da frota. A inspeção veicular periódica e obrigatória é fundamental.

 

Retirar carros velhos, inseguros e poluentes das ruas não é só uma questão de bem-estar. Fomenta uma longa cadeia que emprega milhões.

 

E não é somente a frota que está velha. Nossa malha ferroviária está sucateada e sofre com a falta de investimentos. Isso além das oportunidades marítimas perdidas por ainda não viabilizarmos cabotagem de contêineres e veículos.

 

A resolução desses entraves beneficia diversos setores e pode impactar o preço final dos produtos ao consumidor. Preço este que é chave para o próximo passo da mobilidade urbana: a eletrificação.

 

Essa é a evolução natural que avança a passos mais largos na Europa e EUA. E quanto maior é o incentivo governamental pró-eletrificação, maiores são os investimentos.

 

Nada nos impede de produzir carros elétricos e até autônomos no Brasil. Porém, é preciso gerar demanda para justificar os pesados investimentos necessários.

 

A GM vê o futuro com zero acidente, zero emissão e zero congestionamento.

 

Até chegarmos lá, precisamos fortalecer a indústria e implementar políticas públicas de desenvolvimento tecnológico e renovação da frota. De nada adiantará termos mil carros dos anos 80 para cada elétrico circulando.

 

Então, se você pensou que a primeira parte deste artigo é um exercício de futurologia otimista, te convido a pensar de novo.

 

O Brasil precisa decidir que tipo de futuro da mobilidade quer ter. E essa decisão precisa ser tomada agora. (O Estado de S. Paulo/Carlos Zarlenga, presidente da GM América do Sul)