Os carros de luxo sustentáveis de dentro para fora

O Estado de S. Paulo/The New York Times

 

Embaixo do capô há um motor elétrico, mas um automóvel pode ser realmente verde se a cabine está revestida de couro e de plástico? A indústria automotiva está voltada para o futuro elétrico, e materiais recicláveis e sustentáveis – tornando o carro mais leve e mais verde – revestirão o seu interior.

 

Estas novas superfícies não desafiam apenas o couro, a madeira e os modelos de lã que dominaram a categoria desde os tempos das carruagens reais puxadas por cavalos. Elas estão se adequando ao interesse da indústria e dos clientes por opções que respeitam o meio ambiente. E as marcas de luxo estão abrindo o caminho. A Mercedes-Benz incorporou diversos materiais novos.

 

Dinamica, um tecido de camurça feito de garrafas plásticas recicladas e fibras de roupa, reveste os assentos. O Karuun, um produto derivado da madeira comprimida feito de rattan colhido por métodos sustentáveis, é usado nos assoalhos e no revestimento do painel de controle. A Bentley está experimentando com o Vegea, um couro vegano feito de cascas, sementes e talos de uva. A indústria reveste os painéis de controle de madeira folheada cortada há 5.300 anos e preservada em pântanos, substituindo o corte de árvores vivas.

 

E a Polestar, a nova sub-marca elétrica premium da Volvo – usa tapetes feitos com redes de pesca recicladas. Ela produz cobertura de assentos com tricô em 3D, um processo que tece somente o tecido. E instalou um composto baseado em linho da fornecedora suíça Bcomp, substituindo o plástico em seus painéis de controle e consoles centrais.

 

O mais interessante é que a Polestar criou inserções de assento de vinyl a partir de cortiça, em modelos inspirados não pelo curtume, mas por tecidos técnicos para camping e equipamento para aventura. “Tentamos criar materiais que não imitem o couro”, disse Max Missoni, diretor de design da Polestar. A ideia de criar um novo paradigma de design é crucial para os fabricantes que tentam reinventar-se para o nosso futuro movido a bateria – e para os que querem adotar os primeiros conhecedores de tecnologia que esperam venham a constituir o seu mercado inicial.

 

“Somos uma nova marca de veículos elétricos” disse Missoni. “Por isso, nossa missão é realmente olhar as tendências e as mudanças societais, e derivar disto toda uma nova estética”, muitos destes materiais também pretendem reduzir o peso, porque carros mais leves podem viajar mais com a mesma quantidade de carga elétrica. “O nosso material pode reduzir o peso dos painéis no interior do veículo em 50%”, afirmou Per Martensson, diretor de vendas da Bcomp.

 

“Por isso, nós reduzimos drasticamente o conteúdo de plástico, e aumentamos a performance”. Em busca por produtos que respeitem o ambiente, os designers também estudam a possibilidade de usar materiais sustentáveis mais simples. Entre eles, vidro, cerâmica, cânhamo e até papel. “Talvez seja possível tornar mais atraentes alguns destes materiais na percepção do cliente, de que são válidos na Bentley”, disse Maria Mulder, diretora de cores e revestimentos.

 

Poderá levar até dez anos, e mais de US$ 1 bilhão para desenvolver um único modelo de um novo carro, o que exigirá amplo planejamento da produção bem como uma sólida estratégia de negócios. O que poderá levar a indústria automotiva a opções mais conservadoras. Portanto, os designers muitas vezes procuram indústrias mais flexíveis até o momento a respeito de opções de sustentabilidade. “A moda tem uma vida curta, mas dá uma indicação do que é possível desde que dediquemos certa quantidade de tempo e desenvolvimento”, disse Belinda Günther, diretora de cores e revestimentos da Mercedes.

 

Ambas as marcas estão explorando tecidos e procedimentos mais favoráveis ao ambiente. “A sustentabilidade é definitivamente uma tendência crescente na indústria da moda”, disse Rachel Cernansky, editora de sustentabilidade da Vogue Business.

 

“Se está crescendo na escala de que necessita, é outra questão”. Rachel destacou o emprego cada vez mais amplo do poliéster e nylon “upcycled” (com capacidade para aproveitar os descartes) em roupas de luxo, embora ela questione se estes produtos estarão fazendo o suficiente para conter nosso insaciável apetite por novos objetos. “É problemático porque não pode ser novamente reciclado”, ela disse. Rachel é mais atraída por companhias como Tyton BioSciences e Natural Fiber Welding, porque elas criaram a capacidade de transformar fibras em fibras.

 

Isto, ela disse, permite que sejam produzidas novas fibras da “enorme quantidade de roupa que há no mundo e não está sendo usada, por isso não precisamos procurar novos recursos”, mas por enquanto, estas companhias são pequenas, e dimensionar sua tecnologia será dispendioso. Materiais sustentáveis também estão encontrando sua utilização nas utilidades domésticas e na decoração. “Os clientes, principalmente as famílias, gostam muito destes produtos reciclados porque vestem bem – são extremamente duráveis”, afirmou Young Huh, designer de interiores de Nova York.

 

Estas características também são úteis na saúde e na hospitalidade, como uma Ronald McDonald House projetada por Huh. As Ronald McDonald Houses fornecem apartamentos para famílias nas proximidades de hospitais onde seus filhos estão sendo tratados, e os quartos anteriormente precisavam ser superaquecidos depois de cada permanência a fim de serem esterilizados.

 

Isto não pode ser feito com eficiência com algumas fibras naturais, mas é possível com os tecidos Xorel, feitos com cana de açúcar pela Carnegie Fabrics. Esta qualidade poderá tornar-se ainda mais relevante na pandemia do coronavírus. “É possível limpar o couro vegano com desinfetante” , disse Huh.

 

“Com o couro, isto não pode ser feito”. No entanto, a mudança mais benéfica para o meio ambiente que a indústria de automóveis pode empreender é a produção de mais veículos movidos a bateria. ”Os materiais e a fabricação de um novo veículo equivalem a apenas 6% a 25% da sua pegada de carbono ao longo de sua vida”, disse John Voelcker, um repórter e analista da sustentabilidade automotiva.

 

“Todo o resto é a energia usada para movê-lo durante os anos em que ele estiver na estrada. Um carro elétrico com os interiores feitos de praticamente tudo (menos a pele de um bebê panda) será muito melhor para o planeta do que um veículo movido a gás com o interior todo reciclado”. (O Estado de S. Paulo/The New York Times/Brett Berk/Tradução de Anna Capovilla)