O Estado de S. Paulo
Para um estudante em dúvida sobre que carreira seguir, pode parecer desalentador considerar trabalhar na indústria brasileira. Como se não fosse suficientemente desestimulante saber que o setor é um dos que apresentam maior recuo no globo em quase 50 anos, conforme o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), a crise desencadeada pela pandemia da covid-19 levou à redução ou paralisação de 76% da área, de acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Entretanto, alguns cursos de graduação associados ao setor secundário da economia podem se mostrar extremamente atraentes: são aqueles que atuam no conceito da indústria 4.0. A proposta engloba uma série de transformações nos processos manufatureiros com avançados recursos tecnológicos como inteligência artificial, big data, impressão 3D, internet das coisas e automações. A previsão é de que a área movimente US$ 15 trilhões nos próximos 15 anos, conforme dados da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
O potencial revolucionário é, de fato, expresso em cifras nada modestas. Outro levantamento da ABDI estima que a migração das indústrias para o conceito 4.0 proporcionaria uma economia de R$ 73 bilhões por ano, graças a fatores como ganhos de eficiência, redução do consumo de energia e manutenção de maquinário. É um panorama que até deve ser impulsionado pela atual crise.
“Com a pandemia observamos um importante movimento de adequação das estruturas de tecnologia da informação, as TIs, o que acabou tanto por incrementar a demanda para alguns tipos de serviços, como tem obrigado a uma otimização ágil nas aplicações e nas infraestruturas de TI”, explica Marcelo Valeri, gerente de Negócios para Indústria 4.0 da Atos, multinacional de tecnologia que auxilia empresas a se estabelecerem no universo digital.
Novidades
Com tal horizonte em vista, as instituições de ensino reformulam ou reforçam as estruturas de seus cursos para alinhá-los às necessidades da indústria 4.0. No Instituto Mauá de Tecnologia, o curso de Engenharia de Produção passou por uma reformulação que envolveu tanto a mudança da grade curricular como a implementação de novas estruturas inspiradas nas ações que permeiam a indústria 4.0.
“Por um lado, inserimos disciplinas como a que trata do Gerenciamento de Sistemas Produtivos Inteligentes, na qual buscamos entender um posicionamento futuro da indústria nacional e global, traçando uma jornada para alcance dos conceitos da indústria 4.0”, explica David Garcia Penof, coordenador do curso. “Ao mesmo tempo, criamos laboratórios nos quais sistemas ciber físicos são pensados e testados com a interação entre robôs, sensores, controladores, materiais e banco de dados, fortalecendo o aprendizado.”
As mudanças incrementaram uma formação que pode ter até seis anos de duração e engloba temas clássicos da área, como planejamento e controle de produção, controle de qualidade, projeto de produto e da fábrica e pesquisa operacional. O coordenador explica que as mudanças não vieram para reavivar um curso em crise, mas aprimorar uma graduação em alta no mercado, com a procura vinda de áreas díspares, como setor hospitalar e mercado financeiro. “Atualmente, temos um índice de empregabilidade que flutua em torno de 98%.”
Com a pandemia, sugere Penof, a atuação do engenheiro de produção, já considerada ampla, deverá se expandir a partir da necessidade de as empresas repensarem seus processos, racionalizando-os e tornando as organizações mais efetivas no atendimento das expectativas de seus clientes e, portanto, competitivas. “Apenas para ilustrar, o mercado financeiro, o hospitalar, o varejo, a indústria manufatureira e a área de logística certamente vão demandar grande quantidade de engenheiros de produção qualificados.”
Evolução
Há cursos credenciados para a quarta revolução industrial por estarem historicamente ligados a outras revoluções. Em outras palavras, se adequar a mudanças faz parte de seu DNA. O curso de Engenharia Mecatrônica da Universidade de São Paulo (USP) surgiu com o fenômeno da indústria 3.0, com seu contexto de automação. Foi fruto da pesquisa de docentes que estudaram no Japão e trouxeram novas propostas na bagagem. “Sempre fomos um curso de vanguarda. Hoje, formamos os alunos que atuam diretamente na indústria 4.0. É uma continuidade natural da junção do mundo mecânico com o computacional”, diz Eduardo Tannuri, coordenador da graduação.
Oferecido no câmpus de São Paulo e no de São Carlos, no interior do Estado, o curso põe os alunos em contato com os modernos sistemas que permeiam a indústria 4.0, como machine learning, inteligência artificial, computação em nuvem e impressão 3D. Projetos como o controle de veículos autônomos ou aplicação de robôs em sala de cirurgia são alguns dos que ocupam a mente dos alunos, bem como outros avanços que estão a caminho do País.
“O Brasil vai entrar na era do 5G, com internet de alta velocidade que permitirá, por exemplo, controlar robô a 20 quilômetros sem latência (sem atraso). A tecnologia vai abrir oportunidades infinitas de novo desenvolvimento para os futuros engenheiros”, prevê o coordenador do curso de Mecatrônica.
Não são apenas as novas tecnologias promovidas pela indústria 4.0 que impõem mudanças às graduações. O próprio perfil do profissional, historicamente visto como contido e introspectivo, também ganha novos contornos no cenário manufatureiro. Tradicionalmente, o engenheiro tem um perfil mais reservado. Porém temos uma cobrança maior para o trabalho em grupo. Com a pandemia, demos maior impulso a interação entre os alunos, tanto dentro da turma como também com outras escolas da USP, como as de Física e Matemática. “Temos alunos fazendo iniciação científica com professores da área de Medicina por exemplo”, afirma Tannuri. (O Estado de S. Paulo/Alex Gomes)