Na eterna luta contra a ociosidade das fábricas, montadoras têm novo inimigo

Auto Esporte  

 

Desde meados da década de 1990, o Brasil recebeu algumas ondas de investimentos da indústria automotiva que ampliaram a capacidade de produção de veículos no país. Atraídas sobretudo por programas de incentivos fiscais, novas marcas construíram fábricas e as existentes ampliaram instalações.

 

Adicionalmente, uma guerra fiscal entre estados e municípios promoveu a descentralização desse setor, que se expandiu do Sudeste para o Sul, Centro-Oeste e Nordeste.

 

A indústria automobilística construiu no Brasil um parque com capacidade para produzir mais de 5 milhões de veículos por ano. Mas sucessivas crises levaram o setor a um nível de ociosidade acima do desejável.

 

Logo na primeira onda de investimentos, no fim dos anos 1990, o setor sentiu o baque de uma súbita desvalorização do real. A pressão nos custos em fábricas recém-inauguradas frustrou muitas empresas.

 

Mas o potencial de crescimento dos mercados da América do Sul e a continuidade de programas de benefícios fiscais continuaram a atrair investimentos em expansão.

 

Por volta de 2010, foram anunciados planos de construção de mais fábricas no Brasil. E, de novo, uma crise entre 2014 e 2017 voltou a causar sobra de capacidade. Na época, fábricas de caminhões chegaram a operar com 70% de ociosidade. Há hoje no país 26 montadoras, com 65 fábricas, incluindo as de máquinas agrícolas. As linhas de produção estão espalhadas em 43 cidades de dez estados.

 

Não restam dúvidas do peso desse setor, que responde por 18% do Produto Interno Bruto industrial e que, desde a chegada das primeiras marcas ao país, na década de 1950, já produziu 84,4 milhões de veículos.

 

Mas nova crise, de efeitos muito mais devastadores, põe outra vez em xeque o acerto de essa indústria ter um parque industrial tão grande. O Brasil chegou a ser o quarto maior produtor mundial de veículos, há cerca de uma década. Hoje é o oitavo.

 

A consultoria internacional IHS Markit estima que a produção no Brasil não passará de 1,8 milhão de veículos neste ano. Significa que não mais do que 36% da capacidade de produção será usada. Mais uma vez, vai sobrar espaço nas fábricas.

 

A pandemia do novo coronavírus afetou a indústria automobilística em todo o planeta. A IHS estima queda de 90 milhões para 70 milhões no volume anual de produção de unidades no mundo neste ano. Mas executivos do setor já preveem que nem todos os países sairão dessa crise na mesma velocidade.

 

Vários fatores deixam o Brasil em desvantagem na acirrada disputa entre países por projetos de futuros modelos. O país enfrenta brutal perda de valor do real, uma das moedas que mais se desvalorizaram no ano. Essa pressão de custos já levou várias marcas a reajustar preços mesmo neste momento em que o consumidor desapareceu.

 

Além disso, a pandemia vai retardar a agenda de reformas no país, que ajudariam a reduzir a burocracia e melhorar a infraestrutura, fatores que também pressionam custos. A suspensão de investimentos na renovação de produtos, já anunciada por todos os fabricantes, que agora resolvem apenas problemas de caixa, também afetará em cheio planos voltados à pesquisa e inovação.

 

Infelizmente, não há nenhum sinal, por enquanto, de que depois da pandemia o Brasil conseguirá recuperar terreno no cenário de inovação automotiva. (Auto Esporte/Marli Olmos)