O Tempo
“A Renault e os grandes fabricantes industriais podem desaparecer. Há necessidade urgente de agir” – com essa declaração, dada à rádio francesa “Europe 1” na última semana, o ministro de Economia e Finanças, da França, Bruno Le Maire, acendeu o alerta de analistas sobre o futuro da montadora não apenas na Europa, mas no Brasil, onde ela mantém uma fábrica na cidade de São José dos Pinhais, no Paraná. Ao todo, a empresa gera pelo menos 7.000 empregos no país, e retomou a produção na fábrica local no dia 4 de maio.
A União Europeia já aprovou um empréstimo de 5 bilhões de euros (R$ 29,6 bilhões) à empresa, mas ele ainda não foi assinado por Le Maire, segundo entrevista do ministro ao telecanal francês “BFM TV”. Na mesma conversa, ele disse que a empresa vai precisar se adequar a algumas condições para se beneficiar da assistência francesa. Entre elas, manter a produção de alta tecnologia dos veículos híbridos e elétricos na França. A posição foi corroborada pela ministra do Meio Ambiente da França, Elisabeth Borne, à rádio francesa “France Inter”.
Ao mesmo tempo, na entrevista à “Europe 1”, o ministro Bruno Le Maire afirma acreditar no potencial da Renault para se recuperar: “Como acionistas, a estratégia que consideramos correta para a Renault é torná-la um dos fabricantes tecnologicamente mais avançados do planeta, na vanguarda do veículo elétrico”. O governo francês detém 15% de participações na empresa.
A Renault Brasil foi procurada pela reportagem para esclarecer se há planos de fechar a fábrica no país, mas não respondeu aos questionamentos até a finalização desta matéria. Parceira da Renault desde 1999, a Nissan também foi procurada e, por meio de assessoria de imprensa, afirmou que não comenta especulações.
CEO da Bright Consulting, consultora da indústria automotiva, Paulo Cardamone avalia que a crise trazida pela pandemia tensiona a globalização, “que custa caro”, mas analisa que, por ora, a pressão do governo francês é retórica e não representa risco imediato de fechamento da fábrica no Brasil.
“É complicado prever fechamento de fábricas, porque não é algo trivial. A Renault é altamente suportada pelo governo francês. Mas ela pode ficar menor e precisar se reestruturar completamente em função de custos fixos que têm”, diz. Cardamone lembra que os últimos anos foram de altos investimentos em toda a indústria automotiva, pressionada a desenvolver carros elétricos e vivenciando mudanças no mercado com a ascensão dos aplicativos de transporte. “Houve necessidade de investimentos monstruosos e aí veio essa crise”, pontua.
Para o CEO da consultoria Megadealer, José Caporal, a situação da linha de produção da Renault no Brasil depende exclusivamente de a matriz francesa se reerguer. “Nós não temos montadora brasileira. É uma empresa francesa e o que acontece com o grupo em termos globais nos afeta diretamente”, afirma. Porém, ele acredita que o governo francês deva intervir para evitar a falência do grupo. “É uma empresa que gera muitos empregos e de uma importância enorme para a economia não somente francesa”, afirma. De acordo com informações do jornal norte-americano “The New York Times”, o primeiro-ministro Edouard Philippe insiste para que plantas francesas da empresa não sejam fechadas.
O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, prefere não comentar especificamente a situação da Renault. Mas pontua que a crise no setor automobilístico é inédita e global – a produção deste ano pode cair de 90 milhões para 70 milhões de veículos no mundo, segundo ele.
“As empresas com plantas ao redor do mundo vão optar por países mais competitivos, que têm a menor burocracia, o menor custo tributário e regulações mais simples. O que sempre defendemos antes da crise, e ainda mais agora, é que o Brasil leva uma desvantagem em relação a outros países, porque temos carga tributária muito grande, burocracia para importar e exportar. Temos uma desvantagem e isso preocupa as montadoras no Brasil”, avaliou, em participação na Live do Tempo nesta última segunda-feira (25).
Um consultor comercial da Renault no Brasil, que prefere não se identificar, diz que colegas de empresa não têm se preocupado com fechamento da fábrica no país, mas aguardam pronunciamento da CEO global interina da empresa, Clotilde Delbos, sobre o assunto.
“O que aconteceu no Brasil mostra o contrário de fechamento: foram vários investimento e ampliações com a nova linha Duster, que acabou de acontecer. É uma multinacional que acabou de fazer vários investimentos no país, então (a ideia de que ela vai encerrar as atividades) não fecha a conta”, diz. Ele se refere ao lançamento do carro Renault Duster 2021, que ocorreu em março deste ano. (O Tempo/Gabriel Rodrigues e Tatiana Lagôa)