Globo Rural
Mesmo com o crescimento de 6,4% nas vendas de máquinas agrícolas no primeiro trimestre deste ano, a Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas (CSMIA) da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) acredita em uma queda “superior a dois dígitos” para o segmento em 2020 devido à pandemia do coronavírus.
“Os meses de abril, maio e junho serão os de maior pressão. Não sabemos precisar o quanto, mas vai cair (a venda). Deve ser algo maior do que 10%”, afirma o presidente da CSMIA, Pedro Estevão Bastos.
Ele explica que a retração no setor é esperada porque a comercialização acompanha o momento da safra, como a colheita. Por isso, não há como repor essas vendas que seriam realizadas nos meses subsequentes.
Segundo o executivo, as empresas estão operando com a capacidade de produção entre 60% a 90%, o que varia de acordo com o tamanho da companhia e o segmento de atuação. Por enquanto, os grãos, como a soja e o milho, têm apresentado bom ritmo nas vendas.
Os maiores problemas estão nas culturas de cana-de-açúcar e algodão, já que o setor sucroenergético foi fortemente prejudicado com os consumidores reduzindo a demanda por açúcar e biocombustíveis, além dos preços baixos do petróleo no mercado internacional.
“Em janeiro, prevíamos um aumento de 7% na comercialização para esse ano, e estávamos muito bem. No entanto, houve uma desorganização grande em abril, porque muitas fábricas pararam com o problema da falta de peças e componentes”
Custos mais altos
Para o diretor de mercado da New Holland Agriculture para o Brasil, Eduardo Kerbauy, o segmento poderá enfrentar uma pressão nos custos de produção, tanto com a importação de componentes, a exemplo de engrenagens, displays, sensores e monitores, mas também com a aquisição de máquinas específicas do exterior para grandes produtores de grãos.
Isso ocorre, segundo ele, em razão da desvalorização do real frente ao dólar, com a moeda brasileira avaliada em cerca de R$ 5,50. Com 67 indústrias distribuídas em 180 países, o Grupo CNH, que tem a fabricante de tratores e colheitadeiras New Holland entre as suas marcas, enfrentou a dificuldade para encontrar peças e componentes.
“Você pode pedir a retomada da produção de um fornecedor italiano, e ele até tem condição. Mas o subfornecedor está com mais dificuldade. Isso prejudica toda a cadeia”
Kerbauy acrescenta que esse gargalo não ocorreu apenas na China, que é um dos maiores fornecedores mundiais de peças, mas também em grandes centros europeus, como Itália, França e Bélgica. “Tenho certeza que esse desafio não é exclusivamente nosso, mas de toda a indústria”, afirma.
Impacto no mercado
Os executivos consultados pela Globo Rural acreditam que um panorama preciso sobre os reflexos da pandemia no mercado de máquinas agrícolas deve ser apontado nos dados do balanço sobre o mês de abril.
Com um desempenho considerado positivo nos três primeiros meses do ano, o mercado de máquinas refletiu os resultados da safra de grãos, que tem a expectativa encerrar o ciclo 2019/2020 com o recorde de 251,7 milhões de toneladas, segundo a Conab. “Abril foi o primeiro mês em que tivemos um impacto da quarentena do Covid-19 na economia brasileira”, declara Kerbauy.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) deve divulgar na próxima sexta-feira (8/5) o balanço das vendas e produção sobre o último mês. Nos três primeiros meses de 2020, foram produzidas 621 unidades a menos, queda de 5,7%, com um total de 10.195 máquinas para o campo.
Por outro lado, foi registrado um acréscimo de 184 unidades na comercialização deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado, aumento de 2%, com um total de 9.496 máquinas agrícolas. Esse resultado se deve justamente ao mês de março, que teve 4.140 máquinas vendidas, 387 a mais do que igual período de 2019.
Medidas de proteção
Para evitar uma queda mais brusca, as empresas têm adotado diversos cuidados sanitários para a manutenção das atividades, como o uso de máscaras e luvas, evitar a concentração de pessoas em um mesmo ambiente, horário alternativos de almoço e para os turnos dos seus funcionários, entre outras ações.
Com essas medidas, nenhuma das empresas procuradas pela Globo Rural, como os grupos CNH, AGCO, Jacto e John Deere, teve registro de casos de coronavírus em suas unidades. A Abimaq também informou que não há notificações de contaminações entre as associadas.
Feiras virtuais
Além de evitar a propagação da doença nas unidades de produção, é necessário buscar uma aproximação com os agricultores. As companhias têm utilizado diversas estratégias, como o uso de canais digitais, a exemplo do WhatsApp, lives com especialistas de mercado no Youtube e no Instagram, e também feirões virtuais.
Um dos casos é o do grupo paulista Jacto, fabricante de pulverizadores, adubadoras e colhedoras de café. A empresa realiza, entre esta quarta (6/5) e quinta-feira (7/5), uma feira digital com especialistas, abordando temas como agricultura de precisão, adubação, tecnologia para a fruticultura e as diferenças entre máquinas.
“Com certeza é um canal que se mostrou bastante interessante. As empresas já utilizavam, mas, diante da pandemia, elas intensificaram o uso das mídias digitais. Isso ajuda a mitigar o problema do isolamento social”.
Para Eduardo Kerbauy, da New Holland, mesmo diante da cautela na hora de adquirir um novo equipamento, os agricultores não deixaram de comprar. Eles apenas são mais criteriosos, o que é comum em tempos de crise econômica.
“Algumas novidades que esperávamos mostrar agora, vamos esperar o momento mais propício. Mas existem maneiras de mitigar esses problemas (da falta das feiras agrícolas), como as lives e feiras digitais, que fazem as empresas serem mais criativas”, diz Eduardo Kerbauy. “Mas a busca do fabricante é como atender as necessidades dos clientes sem as feiras.”
Retomada da produção
Com boa parte da operação paralisada ao final de março por conta da pandemia, a volta nas indústrias tem sido gradual. A CNH informou que as suas unidades localizadas Contagem (MG), Curitiba (PR), Piracicaba (SP), Sete Lagoas (MG) e Sorocaba (SP), no Brasil, e em Córdoba, na Argentina, retomaram parcialmente as atividades.
A empresa ainda informou, em nota, que está preparada para “seguir atendendo às demandas dos clientes nas áreas agrícolas, de transporte e construção, garantindo assim a continuidade das atividades desses setores essenciais à sociedade”.
A John Deere afirmou, também em nota, que a “agricultura, transporte e produção de energia são atividades essenciais para o bem-estar dos brasileiros” e, diante disso, vem retomando “gradualmente suas operações no Brasil”.
Os grupos AGCO e Jacto não responderam à Globo Rural sobre a retomada do trabalho nas fábricas até a publicação desta reportagem. (Globo Rural/Fernando Barbosa)