Montadoras em ponto morto

Isto É Dinheiro

 

Com a mesma rapidez e poderio com que se disseminou pelo planeta (e até a quinta-feira 30 causou ao menos 230 mil mortes), o coronavírus continua a fazer estragos em diversos setores da economia brasileira. Na indústria automotiva, por exemplo, a estimativa é de queda de até 81% nas vendas em abril na comparação com março – redução de 156 mil unidades para cerca de 30 mil. As linhas de produção seguem praticamente paradas e as dívidas das montadoras com os bancos, que somam quase R$ 50 bilhões, podem dobrar de valor até o fim da pandemia. O cenário desafiador ameaça também quem depende da boa saúde financeira do setor para sobreviver, casos das fabricantes e lojas de autopeças e das concessionárias. São cerca de 7 mil empresas ao todo que empregam 1,3 milhão de pessoas. “É fundamental que a cadeia de pagamentos não quebre. No momento em que a montadora não paga o seu fornecedor e o fornecedor não paga o seu próprio fornecedor, as empresas começam a falir, um problema de liquidez se transforma em um problema de solvência e o retorno se torna mais difícil”, diz à DINHEIRO o presidente da General Motors (GM) na América do Sul, Carlos Zarlenga.

 

O foco da GM e das demais companhias ao fim da Covid-19 será melhorar os balanços. A disciplina financeira será essencial para pagar as dívidas, uma vez que as montadoras não terão o suporte das matrizes, também impactadas e sem dinheiro. A queda acentuada do volume de vendas exigirá ainda ajuste da capacidade e renegociações com os fornecedores e concessionários, porque não haverá receita para cobrir tudo. O setor defende a criação de linhas de crédito público-privado, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ou de garantias, ou mesmo de créditos fiscais que a indústria tem com o governo. “O sistema privado sozinho não vai conseguir. O caixa está parando”, afirma o executivo argentino.

 

Investimento

 

A situação se agrava em razão da variação cambial. Com o dólar nos patamares atuais, haverá ajustes de preços dos veículos, movimento já atestado em abril. A queda nas vendas afeta o caixa e limita o poder de investimentos. A GM previa injetar R$ 10 bilhões entre 2020 e 2024 nas plantas paulistas de São Caetano do Sul e São José dos Campos, plano que será adiado – a empresa também opera em Gravataí (RS), Joinville (SC), Mogi das Cruzes (SP), Indaiatuba (SP) e Sorocaba (SP).

 

O presidente da Fiat Chrysler Automobiles (FCA) para a América Latina, Antonio Filosa, acredita que as vendas neste ano devem estacionar 40% abaixo do resultado de 2019. O recuo será de 2,6 milhões de unidades para 1,6 milhão, com forte retração neste segundo trimestre, quando deve haver redução de 70%, de 668 mil para 200 mil em comparação com 2019. No terceiro trimestre, a queda deve ser de 40%, de 686 mil para 411 mil, e de 20% no quarto, de 724 mil para 579 mil. “Serão necessários três anos para o mercado brasileiro voltar aos níveis pré-pandemia.”

 

Em 2019, a FCA programou investir R$ 16 bilhões até 2024 em desenvolvimento e lançamentos de modelos, produção de motores e novas tecnologias, cronograma que será postergado para até 2025. Com 22 mil colaboradores nas plantas de Betim (MG) e Goiana (PE), a empresa aposta em um novo perfil de consumidor após a pandemia, por causa das mudanças de comportamento da sociedade. De um lado, os clientes afetados pela crise econômica que terão de adiar a compra do carro. De outro, as pessoas que vão se sentir inseguras em utilizar o transporte público e optarão por ter um veículo. “As vendas on-line devem ganhar força no mix geral de negócios. A jornada do consumidor será cada vez mais digital, e isso exige nova estratégia de vendas, de atendimento e de pós-comercialização.”

 

A Renault também vê as ferramentas on-line como diferencial no momento da retomada. “Na nossa plataforma temos toda a gama de produtos. O cliente pode realizar todo o processo de compra e ainda visualizar o estoque dos concessionários”, afirma o presidente da companhia no Brasil, Ricardo Gondo. A empresa encerrou o ciclo de investimentos no País com o lançamento da Duster 2021, em fevereiro, e planeja apresentar uma nova versão do Sandero, a GT Line, neste mês, após a retomada das operações das quatro fábricas em São José dos Pinhais (PR), prevista para o dia 4. A Renault tem atualmente 7,5 mil funcionários.

 

Financiamentos

 

A Volkswagen pretende oferecer ainda este ano financiamentos diferenciados em alguns carros para atrair os consumidores. Após pequeno valor de entrada, a primeira parcela será paga apenas no início de 2021 ou cinco meses depois da entrada. “É fundamental olhar o fluxo de caixa dos clientes, que também terão um comportamento diferente ao passar da crise”, afirma o presidente e CEO da companhia na América Latina, Pablo Di Si.

 

O executivo diz que o mundo vive uma crise sem precedentes na história, por envolver as áreas da saúde e da economia e por afetar todos os países e indústrias ao mesmo tempo. A empresa inicia os preparativos para a retomada da produção nas quatro fábricas no Brasil – São Bernardo do Campo (SP), São Carlos (SP), Taubaté (SP) e São José dos Pinhais (PR) – neste mês, tendo o bem-estar e a proteção dos cerca de 15 mil empregados como prioridade, a exemplo do que foi feito na Alemanha e na China. A montadora está próxima de concluir investimento de R$ 7 bilhões e mantém o planejamento de lançar o Nivus (SUV Coupê) ainda neste semestre, com produção na planta do ABC paulista, e do projeto Tarek, SUV que será desenvolvido na Argentina.

 

A japonesa Toyota diz, em nota, que estuda todos os cenários, não considera fechar fábricas no Brasil e faz todos os esforços para preservar os empregos dos colaboradores. Além disso, mantém em vigência o investimento de R$ 1 bilhão, anunciado no ano passado, na planta de Sorocaba (SP), para a produção de um novo veículo que será lançado no mercado nacional em 2021.

 

Empregos

 

A manutenção dos empregos também está na agenda das montadoras, que deram férias coletivas aos funcionários em abril e adotaram outras medidas de flexibilização previstas em acordo de trabalho. A pressão sobre as empresas foi parcialmente aliviada por meio da Medida Provisória (MP) 936, que permite a suspensão temporária de contratos e a redução proporcional de jornadas e salários, com a suplementação parcial da renda perdida pelo trabalhador por meio de um benefício emergencial pago pelo governo federal.

 

O economista Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), tem conversado com representantes do governo, dos bancos e das companhias em busca de linhas de crédito para o setor, que acusou queda de 80% no faturamento devido à pandemia. Ele diz que 43 das 63 fábricas distribuídas pelo Brasil seguem paradas também para preservar a saúde dos 125 mil colaboradores e que já são discutidas medidas para a retomada das atividades, com toda atenção voltada à preservação das condições recomendadas de trabalho. “A saúde do colaborador é prioridade de todos os presidentes das montadoras. E também discutimos o que é possível fazer para estimular o consumidor a voltar a comprar alguma coisa em um futuro próximo.”

 

Concessionárias

 

O presidente da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), Alarico Assumpção Júnior, contabiliza redução de 90% nos negócios e vê a criação de linhas de crédito a juros razoáveis e a prorrogação de prazos para pagamento de impostos como alternativas para salvar as 7,3 mil concessionárias do País e seus 315 mil empregados diretos. Outra medida urgente, segundo o empresário, é a reabertura dos estabelecimentos em 16 estados. Apesar de as concessionárias, aliadas às montadoras, terem optado pelo atendimento remoto com maior ênfase, muitas delas correm o risco de desaparecer se a quarentena for prolongada. E não é só. Alarico reforça que, paralelamente a essas medidas, é preciso garantir crédito ao consumidor. “É o mais importante e isso dependerá dos bancos.”

 

Ao contrário das previsões mais pessimistas das montadoras e entidades do setor, Paulo Cardamone, diretor da Bright Consulting – consultoria especializada no mercado automotivo –, prevê a recuperação mais rápida da indústria ao fim da quarentena. Ele acredita que as vendas atinjam 2,1 milhões de unidades neste ano, com redução de 17% a 18% em relação ao total de 2.6 milhões de 2019. Para 2021, a estimativa é de 2,4 milhões de emplacamentos, alta de 12%.

 

O especialista afirma, no entanto, que a cadeia de fornecimento deve ser a mais impactada pela crise com a supressão de 20 mil empregos – outros 10 mil devem desaparecer nas montadoras. “O problema maior atinge o setor de autopeças, que, descapitalizado, deve atestar o fechamento de diversas empresas menores.”

 

Caminhões

 

O segmento vive a expectativa pela divulgação dos dados referentes a abril, após queda nas vendas no primeiro trimestre do ano. Entre janeiro e março, foram emplacadas 20.175 unidades, 1.201 a menos do que no mesmo período de 2019 (21.375), recuo de 5,26%. Na comparação entre março e fevereiro, os números ficaram praticamente estagnados. Saíram das fábricas 6.484 caminhões no mês passado, contra 6.507 do anterior, variação negativa de 0,37%.

 

O presidente da Mercedes-Benz no Brasil e CEO na América Latina, Philipp Schiemer, crê em queda de 20% nas vendas este ano. A previsão inicial do executivo era a de comercialização de 110 mil unidades, cerca de 10% a mais do que os 101,3 mil emplacadas em 2019. Ele cobra maior oferta de crédito por parte dos bancos. Líder de mercado em caminhões e ônibus, a empresa tem em andamento plano de investimentos de R$ 2,4 bilhões no Brasil, anunciado em 2018 e com vigência até 2022. Cerca de R$ 1,5 bilhão já foi realizado. Os R$ 900 milhões restantes estão congelados momentaneamente para preservação do caixa da empresa. No entanto, seguem mantidos os lançamentos de dois modelos de caminhões e um de ônibus até o fim do ano. A companhia tem 8 mil funcionários na planta de São Bernardo do Campo (SP) e outros 1 mil em Juiz de Fora (MG). A retomada dos trabalhos deve acontecer no dia 11. (Isto É Dinheiro/Angelo Verotti)