O Estado de S. Paulo
O presidente Jair Bolsonaro disse na última sexta-feira, 21, que pretende atrair para o Brasil uma fábrica da montadora de carros elétricos Tesla. A afirmação animou fãs da marca no País, mas terá de superar grandes obstáculos para se tornar realidade, afirmaram analistas ao Estado. Isso porque o mercado brasileiro de carros elétricos ainda é muito pequeno e o portfólio da Tesla mira o segmento de veículos de luxo. Além disso, a empresa não se encontra num momento propício para se expandir para o País ou a América Latina.
“Do ponto de vista técnico, fábrica da Tesla no Brasil não faz sentido. Está mais para um sonho do que para qualquer coisa real. É um sonho de quem não entende do mercado de automóveis”, afirma Paulo Cardamone, da consultoria Bright Consulting.
No ano passado, foram vendidos no mercado brasileiro 538 carros 100% elétricos, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), de um total de 2,26 milhões de automóveis comercializados no País. Com a importação por parte das montadoras de veículos elétricos, as vendas vêm crescendo anualmente, mas os números ainda são pequenos. Em 2016 foram 132 unidades. No ano seguinte, 137. Em 2018, um total de 176.
A Tesla comercializa apenas veículos 100% elétricos – um compromisso assumido por Elon Musk desde o início da história da empresa, em 2003. Se fabricasse carros híbridos, que aliam o uso de eletricidade a um motor a combustão, a empresa poderia ter um potencial de mercado maior, mas ainda pouco relevante. Em 2019, a frota de veículos elétricos e híbridos do País era de 22 mil automóveis, de acordo com projeções feitas a partir de dados do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças).
E o panorama não é bom para o futuro: segundo projeções feitas por Cardamone, da Bright, o mercado de carros elétricos e híbridos no Brasil em 2030 poderá chegar a no máximo 100 mil veículos comercializados por ano.
O volume atual de importações de veículos da Tesla também não justificaria o interesse da marca pelo Brasil. Inaugurada em 2016 em São Paulo, a revenda Elektra – única no País a oferecer modelos importados da companhia de Elon Musk – só comercializou até agora 14 unidades da marca.
Quem quiser comprar um veículo da empresa por aqui – como o Model 3, Model S e Model X – terá de desembolsar entre R$ 450 mil a R$ 1,2 milhão. É algo alto até para os padrões do mercado nacional: o tíquete médio de um carro no Brasil em 2019 foi de R$ 80 mil; já o de um carro elétrico ficou em mais de R$ 300 mil.
Segundo Monique Angeli, diretora-geral da Elektra, a maioria das vendas é por encomenda, pois os clientes gostam de personalizar o veículo. A revenda não é representante oficial da Tesla no País, mas Monique afirma que há parceria com a fábrica americana para assistência e atendimento aos compradores.
Também há importações privadas do modelo, mas, de acordo com dados da Elektra, há menos de 25 unidades da Tesla rodando pelo País. Na visão de Monique, é possível que a marca queira ter uma distribuidora oficial no Brasil nos próximos cinco anos. “Mas não acredito que haverá uma fábrica, pois o Tesla é um produto de alto luxo e o volume de vendas não compensaria a produção local.”
Na visão de Ricardo Barcellar, líder para o setor automotivo da consultoria KPMG, haveria baixa demanda pela marca no Brasil justamente por conta dos altos preços. “A receita média do brasileiro é muito baixa, então talvez a Tesla tivesse que se adaptar por aqui, criando modelos mais baratos e talvez apostando em híbridos”, afirma.
Fazer adaptações é algo que parece não estar nos planos da empresa por agora – o veículo mais recente apresentado por Musk é o utilitário esportivo Cybertruck, que custa a partir de US$ 40 mil nos EUA. O valor é o mesmo praticado no outro modelo mais barato da empresa, o Model 3. Outra aposta da empresa é o Model Y, que começará a ser fabricado ainda neste ano e deve ter preços entre US$ 48 mil e US$ 61 mil.
Momento da Tesla
Além disso, a Tesla também passa por um ponto de inflexão em sua história. Apesar de ter demonstrado lucro de forma consistente em dois trimestres seguidos – os últimos resultados financeiros foram divulgados em janeiro –, a companhia tem histórico complicado: enfrentou desde problemas com linha de produção a falta de capital. A euforia com os resultados é recente.
Até aqui, os investimentos internacionais em fábricas foram na China e na Europa, que têm mercados potenciais muito maiores do que o brasileiro ou o latino. Em janeiro, a companhia inaugurou sua planta em Xangai, China, que tem capacidade para produzir até 500 mil veículos por ano. O próximo passo é uma fábrica em Berlim, Alemanha, que foi anunciada em novembro de 2019 e atualmente está em construção.
Na China, a empresa recebeu incentivos de pelo menos US$ 1,4 bilhão, com auxílio de bancos locais. O tamanho de uma possível fábrica brasileira ainda não está em discussão, mas é improvável que a empresa consiga receber esse volume de incentivos no País – uma política dessas poderia desagradar as marcas que já atuam no mercado brasileiro e têm em seu portfólio global veículos 100% elétricos, como a GM. “O custo de uma fábrica aqui é muito alto, por mais que a Tesla conseguisse uma otimização. Só o investimento na planta seria bastante robusto”, diz Bacellar.
Além disso, ainda há poucos incentivos para a aquisição de carros elétricos no País – há apenas a isenção de 35% do Imposto de Importação (II) e a redução de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) – que era de 25% e hoje, dependendo do peso do carro, pode ficar entre 7% e 9%. Em alguns municípios, como São Paulo, há ainda isenção de IPVA e de rodízio. É pouco perto do que existe nos EUA, onde há políticas de reembolso governamental para quem adquirir um veículo elétrico. (O Estado de S. Paulo/Bruno Romani, Cleide Silva e Giovanna Wolf)