O Estado de S. Paulo
A indústria brasileira entrou em crise bem antes da recessão, pode fechar este ano com resultado negativo e suas perspectivas são de fraco desempenho pelo menos até 2022, limite de boa parte das projeções. Em 2019, a produção industrial deve encolher 0,70%, segundo estimativa do mercado. Durante décadas, industrialização, modernização e desenvolvimento foram termos quase indissociáveis em dezenas de países – como o Brasil – empenhados na conquista de um lugar no mundo contemporâneo. A expressão “país de industrialização recente” foi usada amplamente, nos anos 1980 e 1990, para indicar um novo tipo de economia nacional. A manufatura se havia tornado o principal motor da produção, a grande fonte de mudança tecnológica e a principal fonte dos chamados empregos de qualidade. No mercado, como no governo, muita gente parece ter esquecido, ou passado a menosprezar, esse tipo de associação.
Os emergentes mais dinâmicos, como China, Coreia do Sul e Cingapura, continuam a destacar-se pela atividade industrial e pela comercialização de manufaturados. O sucesso nessas atividades tem sido associado, há décadas, à absorção e à geração de tecnologias. Políticas eficazes de educação e pesquisa explicam em boa parte o desempenho dessas e de outras economias transformadas nas últimas cinco décadas. A abertura de mercados e a integração na economia global também foram componentes importantes da estratégia.
No Brasil, as mudanças na indústria e no comércio exterior, embora consideráveis, foram afetadas por circunstâncias particulares. O mercado pouco se abriu e as políticas de educação e pesquisa foram menos eficazes que na Ásia.
Depois vieram erros graves cometidos no período petista. Houve a política dos campeões nacionais, o protecionismo cresceu, benesses fiscais e financeiras foram distribuídas de forma arbitrária, os fundamentos da economia se arruinaram e a maior parte da indústria se enfraqueceu.
O setor industrial começou a derrapar no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, bem antes da recessão geral. Depois, a recuperação durou cerca de um ano e meio e interrompeu-se. Pelas projeções do mercado, captadas na pesquisa Focus, do Banco Central, a produção da indústria deve crescer 2,20% em 2020 e 2,50% em cada um dos dois anos seguintes. Confirmadas essas projeções, terá sido um mau resultado, especialmente depois dos números pobres de produção e investimento acumulados a partir de 2012.
Neste ano os tropeços da indústria são em parte explicáveis pela recessão na Argentina, importante mercado para os manufaturados brasileiros. Mas o quadro seria menos feio se a indústria brasileira se houvesse empenhado mais na venda para mercados fora da América do Sul. Há exportações para os Estados Unidos e para a Europa, mas os volumes seriam com certeza bem maiores se a economia fosse mais aberta e houvesse mais integração nas cadeias internacionais.
A história da manufatura brasileira nos últimos 40 anos contrasta com a do agronegócio, beneficiado por pesquisas científicas e tecnológicas, por enormes ganhos de produtividade e pelo respeitável poder de competição. Há anos o superávit comercial brasileiro tem sido sustentado pelo agronegócio, mesmo quando declinam os preços das commodities. Estará o Brasil destinado a ser de novo dependente do agro e da mineração como atividades predominantes? É ótimo competir com sucesso nos mercados de produtos agropecuários e minerais, mas é um despropósito desperdiçar o longo e custoso esforço de formação de uma indústria diversificada. Alguém no governo se preocupa com essa questão? Não parece.
Não se veem objetivos claros para a formação de capital humano, para o desenvolvimento tecnológico e para a eliminação de gargalos. Não se percebe o esboço de uma estratégia para a passagem à chamada indústria 4.0. Na política de produção, o governo foi pouco além das propostas de redução de custos trabalhistas e de alguma desburocratização. Isso bastará para dinamizar o País? (O Estado de S. Paulo)