O Estado de S. Paulo
O governo extinguiu, por meio de medida provisória, o DPVAT (seguro obrigatório de veículos automotores terrestres). Eu já tratei do assunto mais de uma vez, mas, dada sua importância, é necessário retornar ao tema de forma clara para evitar danos irreparáveis para a sociedade brasileira.
Uma medida provisória tem um tempo legal de vida, até sua aprovação ou não pelo Congresso Nacional, durante o qual suas disposições têm validade legal e, consequentemente, geram efeitos jurídicos. Assim, mesmo que a medida provisória seja rejeitada ou modificada, seus efeitos durante o prazo em que vigeu, podem ser extremamente perniciosos e causar danos irreparáveis.
No caso do DPVAT, com a sua extinção em 31 de dezembro de 2019, ainda dentro do prazo para a análise pelo Congresso das disposições a serem ou não convertidas em lei, os danos podem ser enormes e atingirão diretamente a sociedade, em decorrência da interrupção do repasse de 45% de seu faturamento para o SUS e do desamparo de milhares de famílias de vítimas dos acidentes de trânsito, a maioria delas abaixo da linha de pobreza, por integrarem as camadas menos favorecidas da população.
O partido Rede Sustentabilidade protocolou Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de liminar, contra a Medida Provisória 904/2019, que extingue o DPVAT e o DPEM, que é o seguro obrigatório de danos causados por embarcações.
O relator sorteado foi o ministro Edson Fachin, que enviou o processo para decisão do colegiado do Supremo Tribunal Federal, por meio de votação eletrônica.
Em nome da segurança jurídica e dos prejuízos gigantescos advindos da manutenção dos efeitos da medida provisória durante o período de discussões no Congresso Nacional, que pode se estender por até 120 dias, é indispensável que o Supremo Tribunal Federal conceda a liminar solicitada na Ação Direta de Inconstitucionalidade a ser analisada por ele.
Ao contrário do que foi dito por algumas autoridades, o DPVAT tem relevantíssimo papel para garantir o futuro das famílias logo após um acidente de trânsito que mata ou incapacita permanentemente um de seus membros, muitas vezes o seu arrimo.
Se o SUS atende as vítimas de acidentes de trânsito, não o faz por generosidade, nem para substituir uma indenização securitária. Ele o faz porque a Constituição federal determina que todos têm direito ao atendimento à saúde, gratuitamente, bancado pelo Estado. Além disso, o SUS não indeniza mortos e inválidos. Ele presta o atendimento médico-hospitalar ao acidentado. Para fazer frente a estes custos, ele recebe, por lei, 45% do faturamento do DPVAT. Este número atingiu mais de R$ 37 bilhões no acumulado dos últimos dez anos.
Quanto à Previdência Social, ela assume os custos decorrentes da morte ou da invalidez, mas a concessão do benefício pode demorar e o pagamento se restringe ao previsto na lei. Não há indenização securitária nos benefícios previdenciários.
O DPVAT paga, em excesso das despesas do SUS e dos pagamentos do INSS, em caso de morte e invalidez permanente total, uma indenização securitária de R$ 13.500. Pode não ser muito, mas num país onde mais de 100 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza é suficiente para garantir um salário mínimo por mês, durante um ano.
Se os efeitos do seguro cessarem no dia 31 de dezembro, a partir do primeiro dia de 2020, perto de 400 mil famílias de vítimas de acidentes de trânsito ficarão desamparadas. E se o Congresso, ao final do prazo, rejeitar ou modificar a medida provisória, a Seguradora Líder dificilmente conseguirá cobrar os prêmios não pagos no período.
A concessão da liminar faz todo o sentido. Ao se atrelar os prazos do seguro aos prazos do Congresso para decidir seu destino, se estará mantendo o equilíbrio econômico de uma operação que beneficia mais de um milhão de pessoas por ano. Além disso, ainda que o Congresso acate integralmente a medida provisória, não haverá prejuízo para o cidadão, já que basta prorrogar a vigência do seguro.
É indispensável que o STF conceda liminar para cessar os efeitos da medida provisória editada pelo governo. (O Estado de S. Paulo/Antonio Penteado Mendonça, sócio da Penteado Mendonça e Char Advocacia e secretário-geral da Academia Paulista de Letras)