O Estado de S. Paulo
Reunião foi importante pela reafirmação da recuperação do bloco. Integrar o novo governo argentino nesse projeto pode ser complicado, mas não há alternativa.
O presidente Jair Bolsonaro passou a valorizar o Mercosul, falou em convidar a Bolívia para entrar no clube e até mencionou, brincando, a ideia de continuar na presidência do bloco por meio de um golpe. A brincadeira ocorreu em conversa com o presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez, seu sucessor no comando rotativo da entidade. Os dois se encontraram na reunião de cúpula realizada na cidade gaúcha de Bento Gonçalves. Em discurso, Bolsonaro apontou a convergência entre a “renovação” do Mercosul e a agenda brasileira de abertura comercial. Algo mudou no Palácio do Planalto, desde o início do governo, e nesse caso a mudança parece ter sido para melhor. Um ano antes, depois do segundo turno da eleição presidencial, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, minimizou a importância do Mercosul e da Argentina para a nova administração brasileira. Nenhum dos dois, disse Guedes, era considerado prioritário.
Em menos de um ano o presidente Jair Bolsonaro pôde anunciar, em conjunto com os colegas do Mercosul, dois marcos na evolução do bloco. O primeiro foi a assinatura, depois de mais de 20 anos de negociação, de um acordo comercial com a União Europeia. Falta a ratificação de cada país, mas as longas negociações acabaram. O segundo marco foi o acerto com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), formada por Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça.
Os dois eventos contribuíram, sem dúvida, para elevar o Mercosul na pauta de prioridades do presidente Bolsonaro. Foram avanços coincidentes com sua bandeira de mais abertura e integração. O governo poderia contá-los como pontos a seu favor, embora fosse recomendável, por justiça, reconhecer alguns fatos quase sempre esquecidos em 2019.
O primeiro foi o esforço dos presidentes Mauricio Macri, da Argentina, e Michel Temer, do Brasil, para concluir o acerto com a União Europeia. O avanço final decorreu principalmente desse empenho. O segundo fato foi o início da negociação com a EFTA em janeiro de 2017. Um terceiro, de certo modo o mais importante, foi a decisão de Temer e Macri de repor o Mercosul no trilho original, abandonado na fase do petismo-kirchnerismo.
A agenda combinada entre os dois presidentes incluiu a aproximação com a Aliança do Pacífico, bloco mais aberto que o Mercosul e integrado inicialmente por Chile, Peru, Colômbia e México. Em julho de 2018 representantes do Mercosul estiveram no México durante reunião de cúpula da Aliança. O interesse nessa aproximação foi reafirmado em março deste ano, em visita do presidente Bolsonaro ao Chile.
O esforço de “renovação” do Mercosul, citado em Bento Gonçalves pelo presidente brasileiro, foi iniciado, portanto, há quase três anos, pelos presidentes Temer e Macri.
De nenhum modo isso reduz a relevância de qualquer esforço do atual governo brasileiro para dinamizar o Mercosul, demolir barreiras internas, aumentar a integração dos sócios, torná-los mais competitivos e converter o bloco numa plataforma de atuação global.
O presidente Bolsonaro mencionou, em Bento Gonçalves, a proposta de seu governo de redução da tarifa externa comum. O tema, por enquanto, está apenas inscrito na agenda. O Mercosul converteu-se, como observou há alguns anos o diplomata José Botafogo Gonçalves, num clube protecionista. É preciso continuar trabalhando para resgatar o projeto inicial. As planejadas conversações com mais parceiros, como Canadá e Coreia do Sul, poderão contribuir para isso. Falta ver a disposição do próximo presidente argentino, Alberto Fernández. Ele prefere, já se sabe, uma lenta redução da tarifa externa comum.
Sem acordos ambiciosos, a reunião de Bento Gonçalves foi sobretudo importante pela reafirmação da agenda de recuperação do bloco. Integrar o novo governo argentino nesse projeto poderá ser complicado. Não haverá, no entanto, alternativa ao entendimento com o presidente Fernández, e o governo brasileiro precisará aceitar esse dado. Aceitará mais facilmente se o presidente Bolsonaro entender o Mercosul como um bloco de Estados. Governos são outra coisa. (O Estado de S. Paulo)