O Estado de S. Paulo
As exportações do Brasil para o Mercosul despencaram 22% neste ano (até novembro) e o bloco passa por convulsões políticas. Se é para mudar, como tantas autoridades vêm pedindo, nada ainda sugere mudanças relevantes. O acordo comercial com a União Europeia continua empacado e até mesmo ameaçado, porque encontra resistências sérias na Europa.
Nesta última quinta-feira, o Paraguai assumiu a presidência temporária do bloco no encontro de cúpula realizado nos dois últimos dias na cidade gaúcha de Bento Gonçalves. Mas não acenou com consertos que poderiam lhe dar vitalidade. Tal como está, o Mercosul parece pouco mais do que um zumbi.
No Brasil, os governos do PT trataram o Mercosul como clube de encontros políticos, e não como ambiente de integração entre vizinhos. Pouco cuidaram de criar as bases de consolidação de um bloco econômico e, até 2013, não fizeram mais do que dançar uma ciranda preponderantemente ideológica, de inspiração predominantemente bolivariana, que nada acrescentou à integração.
Esta foi a principal razão pela qual o governo Bolsonaro vem ameaçando abandonar certas cláusulas dos tratados e rebaixar o Mercosul a simples área de livre comércio. Em Bento Gonçalves, avisou que não admitirá “retrocessos ideológicos”. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já tinha declarado antes que “o Mercosul não será prioridade deste governo”. E, no entanto, a queda das exportações para a área (veja gráfico) vem esburacando as contas externas do Brasil e pede reação.
Antes de avançar, convém examinar em que fase está o grupo. Os acordos pretendem que o Mercosul seja uma união aduaneira, o segundo estágio de uma integração comercial. O primeiro deles é a área de livre comércio, situação que permite fluxo de mercadorias e serviços produzidos por seus membros dentro do bloco, sem cobrança de tarifas alfandegárias.
A união aduaneira vai além. Exige que os países sócios tenham a mesma política de comércio exterior. Isso significa que precisam adotar a mesma tabela de tarifas aduaneiras, a Tarifa Externa Comum (TEC), para mercadorias e serviços de fora da área e que negociem em conjunto quaisquer outros tratados comerciais.
Mas o Mercosul não conseguiu nem sequer se firmar como área de livre comércio porque o intercâmbio está sujeito a restrições, cotas e até mesmo a tarifas diferenciadas. A todo momento, por exemplo, a Argentina impõe toda ordem de obstáculos para o fluxo de mercadorias e não consegue cumprir o precário Acordo Automotivo com o Brasil. E quer concessões sobre concessões, sob o argumento de que passa por crise econômica e política e, por isso, precisa de compreensão e de tratamentos especiais. Assim, os compromissos não se cumprem e o Mercosul não passa de uma tábua cheia de furos.
Mercosul
Como os governos anteriores privilegiaram os conchavos políticos regionais, o jogo de irrelevâncias econômicas constituiu exigência técnica, digamos assim. Mas parece ter chegado o momento em que o governo brasileiro entendeu que, sem avanços na área comercial que os parceiros do Mercosul não estão em condições de assumir, a indústria nacional continuará se desidratando, com alto custo já conhecido para o mercado de trabalho interno.
Bastaram as ameaças de que o Brasil poderia abandonar a sigla à sua própria sorte e enveredar para negociações comerciais à parte, para que dirigentes argentinos e uruguaios passassem a enaltecer a necessidade de aprofundar os laços comerciais. Mas, por ora, são apenas discursos.
Não está claro qual, afinal, será a política do governo Bolsonaro para o bloco: se irá mesmo reduzir o Mercosul a proporções realistas; ou se vai deixar rolar a situação atual, como sugeriu o ministro Paulo Guedes.
Aparentemente, não dará nenhum passo irreversível sem ver antes que rumo tomarão os novos governos da Argentina e do Uruguai, os dois principais sócios do Brasil no bloco. O peronista Alberto Fernández tomará posse neste domingo em Buenos Aires. E o conservador Luis Lacalle Pou assumirá o governo do Uruguai em março. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)