Motor 1
A definição de SUV compacto no Brasil de hoje abrange mais carros do que times na Série A do Brasileirão. Amparado pela classificação esdrúxula do Inmetro, baseada simplesmente em altura do solo e (parcos) ângulos de entrada e saída, o marketing das montadoras deita e rola na definição de seus veículos como SUVs – incluem até mesmo hatches aventureiros como Argo Trekking, Ka FreeStyle e Kwid Outsider na jogada.
Pois bem, na teoria, o novo Suzuki Jinmy Sierra é um SUV compacto. Na prática, porém, ele é um legítimo utilitário: tem chassi separado da carroceria, suspensões por eixo rígido e um sistema de tração 4×4 com reduzida, além verdadeiras medidas off-road. Some isso ao design simpático e temos praticamente um caso único no mercado brasileiro – só não é mais exclusivo porque seu antecessor Jinmy permanece à venda ao lado da novidade.
Apresentado há cerca de um ano no Salão do Automóvel de São Paulo, o Jimny Sierra resgata o estilo do antigo Samurai (que fez sucesso no Brasil dos anos 1990) com algumas doses de modernidade e um item de conforto até então não oferecido no jipinho: câmbio automático. A transmissão equipa duas das três versões do novo Suzuki ofertadas no Brasil, mas o fato de ser importado do Japão deixa o modelo, ao menos por enquanto, na categoria de brinquedo de rico. Os preços vão de R$ 103.990 a R$ 122.990.
Tivemos uma primeira experiência bastante rica do novo Jimny durante o evento de lançamento, com um test-drive que incluiu um pouco de cidade, um tanto de estrada e uma divertidíssima trilha que serviu para separar o joio do trigo – ou melhor, o verdadeiro utilitário-esportivo compacto do restante dos chamados SUVs compactos.
O que é?
A quarta geração do Jimny teve como objetivo manter muito da premissa original: um jipe compacto de duas portas, leve, econômico e valente, para transitar com agilidade na cidade e habilidade na trilha. Daí a escolha da Suzuki de não crescer a carroceria ou fazer uma versão de quatro portas, ou ainda uma picape. Embora tenha crescido um pouco, ele mede apenas 3,645 metros de comprimento (4 cm menor que um Renault Kwid) e mantém o peso em contidos 1.095 kg (lembrando que ele tem construção de chassi e um sistema 4×4 completo).
O design remete diretamente aos antecessores, mas a semelhança maior é com o Samurai, fato reforçado pelo capô quadradinho, faróis redondos e lanternas traseiras no para-choque. Curiosidade: devido à semelhança e sucesso do Samurai, a Suzuki do Brasil chegou a cogitar chamar o novo carro de “Jimny Samurai” por aqui. “Chegamos a desenvolver o logotipo”, conta o diretor de planejamento Reinaldo Muratori, mas o Japão acabou barrando a ideia. Sierra é o sobrenome do Jimny de exportação (no Japão o Jimny é vendido como Kei Car, ainda menor) e então ficou assim também no Brasil.
Um dos pedidos dos clientes foi atendido: o câmbio automático. Trata-se de uma caixa da Aisin, de 4 marchas, que segundo a Suzuki era compacta o suficiente para caber no jipinho – havia uma limitação de espaço para adotar as novas caixas de 6 ou mais relações. Para acompanhar, o motor também é novo, um 1.5 aspirado de 4 cilindros, com 16 válvulas e duplo comando de válvulas com variação na admissão. Movido a gasolina, rende 108 cv de potência e 14,1 kgfm de torque a 4.000 rpm. Na versão manual, o câmbio manteve as 5 marchas.
Na parte “utilitária” da coisa, houve uma evolução no chassi, que ganhou três novas travessas e ficou 50% mais rígido. Além disso, há novos coxins de carroceria com dupla densidade, para reduzir a transmissão de impactos para a cabine. Já o sistema de tração retomou a alavanca para o engate do 4×4 (em movimento a até 100 km/h) e 4×4 reduzida (precisa parar), método preferido dos trilheiros – considerado mais robusto que o engate eletrônico por botões. A suspensão manteve os eixos rígidos com molas helicoidais, enquanto o tanque de combustível agora é de plástico, substituindo o de aço do Jimny anterior para reduzir peso.
Por dentro, a Suzuki ampliou um pouco o espaço e melhorou a posição de dirigir. O acesso melhorou pelas portas com abertura de até 70 graus e três estágios, enquanto os bancos dianteiros ficaram um pouco mais largos e agora recuam 240 mm a mais que antes – uma boa notícia para motoristas mais altos. O espaço traseiro é exíguo e ainda é atrapalhado pelo assoalho elevado e não plano. Mas, como o porta-malas é quase figurativo, o ideal é rebater o banco de trás e usar o espaço para bagagens. Para pequenos pertences, há um fundo falso no compartimento traseiro.
O painel segue o desenho quadradinho da carroceria, com o velocímetro e o conta-giros analógicos separados por uma tela de LCD que serve ao computador de bordo. No centro do console, a multimídia da JBL se destaca com uma tela de 7″ e conexões Apple CarPlay e Android Auto, além da câmera de ré. O controle de estabilidade também passa a ser item de série.
Como anda?
A Suzuki promoveu um test-drive até uma fazenda na região da Serra do Japi, no interior paulista. Saindo da capital, vimos que o Sierra vai bem na cidade. Pequenino e com posição de dirigir elevada, ele cabe em qualquer buraco e ignora toda a sorte de obstáculos urbanos, apenas balançando um pouco mais do que um hatch – afinal, é mais alto e tem suspensões de longo curso. A direção também é diferente, com esferas recirculantes (bastante usada em caminhões e utilitários) e uma relação bem desmultiplicada. Traduzindo, é preciso virar bastante o volante em curvas e manobras, mas em compensação reduz os impactos no fora-de-estrada. A assistência elétrica garante a leveza do volante.
O câmbio automático faz o que se espera dele na cidade, com trocas suaves e relações curtas que favorecem a agilidade. O motor gira feliz e quase não vibra, empurrando o Sierra com alguma desenvoltura nas saídas e retomadas, ajudado pelo baixo peso do conjunto. Bastou entrar na estrada, porém, para que as limitações do jipinho aparecessem. A quarta marcha é muito curta e faz o motor girar a mais de 3,5 mil rpm para manter os 120 km/h legais da rodovia dos Bandeirantes, resultando em ruído extra na cabine e também em maior consumo de combustível. Tanto é que, pelos números do Inmetro, o novo Jimny gasta mais na estrada (média de 10,2 km/litro) do que na cidade (10,3 km/litro).
As boas acelerações na cidade também são substituídas por um esforço para manter a velocidade na estrada, principalmente nos aclives. É um carro para viajar sossegado entre 100 e 110 km/h, um ritmo no qual o Sierra mostra boa estabilidade direcional e pouca interferência dos ventos no equilíbrio da carroceria.
É na trilha, como esperado, que o novo Suzuki se sente em casa. O que começou como uma simples estradinha de terra foi se tornando um caminho cada vez mais fechado e com erosões capazes de deixar uma das rodas no ar. Armado com a reduzida e o bloqueio eletrônico LSD, o jipinho mostrou valentia bem maior do que seu tamanho. Encarou subidas íngremes, ladeiras escorregadias (vencidas com ajuda do controle de descidas) e até algumas travessias de água sem sequer raspar embaixo – são 21 cm de altura livre do solo, 37 graus de ângulo de entrada e 49 graus de ângulo de saída, além de 600 mm de capacidade de imersão.
A destacar, além da força (resolve tudo em segunda marcha reduzida), o trabalho da suspensão. É macia e absorve muito bem os buracos e erosões, sem acusar aquela batida típica de fim de curso. Até mesmo os pneus, que parecem ter desenho mais voltado ao asfalto, são do tipo “all terrain” e mostraram boa aderência na terra, mesmo quando o tempo fechou e a chuva desabou na trilha. Com medidas 195/80, ou seja, com a lateral bem alta, eles também ajudam na absorção de impactos do solo. Também o bloqueio eletrônico do diferencial traseiro mostrou seu valor, evitando que o carro perdesse tração em situações de uma roda no ar. Em resumo, o Sierra é tão competente e divertido no off-road que, quando o asfalto apareceu de novo, minha vontade era aproveitar o reduzido raio de giro (4,9 metros) e fazer meia volta…
Quanto custa?
Como dito lá no começo, o Jimny Sierra estreia no Brasil como brinquedo de rico. O Japão enfrenta uma demanda maior que a capacidade produtiva e, a princípio, não garante nem as estimadas 250 unidades mensais que o Brasil espera vender. Por isso também a manutenção do Jimny atual em produção por aqui por, pelo menos, mais dois anos, que é quando a HPE (representante local da Suzuki) pretende começar a fazer o Sierra em Catalão (GO).
Até lá, serão três as versões importadas: 4You manual (R$ 103.990), 4You automática (R$ 111.990) e 4Style automática (R$ 122.990), com diferença apenas de equipamentos no topo de linha – como os faróis de LED e o ar-condicionado digital. Mas, já que a ideia do Sierra é ser purista, eu dispensava fácil o câmbio automático e ficaria mesmo com a versão de entrada. (Motor 1/Daniel Messeder)