O Estado de S. Paulo
Na busca por novas receitas para garantir sobrevivência saudável, montadoras se voltam a nichos de mercado não explorados nos tempos em que só produzir e vender carros dava muito lucro. Com a mudança do perfil dos consumidores, que estão trocando a posse do automóvel pelo uso de mobilidade, o setor aposta na oferta de serviços como alternativa de ganhos. A locação é uma delas e, ao longo do tempo, pode colocar as fabricantes como concorrentes dos grupos que hoje são seus maiores clientes.
No mês passado a Toyota entrou no ramo de locação de seus modelos para pessoas físicas por meio de sua rede de concessionárias. O serviço está disponível em 12 revendas e chegará a 60 até o fim do ano. Outro movimento será o de estender o aluguel para clientes corporativos, informa Miguel Fonseca, vice-presidente de vendas.
Por meio de seu braço financeiro, a Volkswagen criou há dois anos a Fleet, que aluga automóveis do grupo para médios e grandes frotistas. Recentemente, a empresa iniciou projeto-piloto para oferecer também caminhões e ônibus. A próxima etapa é a locação para pessoa física.
“Inicialmente será para um grupo de controle, ou seja, vamos oferecer a locação para funcionários de empresas, muitas delas parceiras nossas, e bancos”, diz Rodrigo Capuruço, diretor do Volkswagen Financial Service. A Fleet deve encerrar o ano com frota de 10 mil carros. Uma de suas principais clientes é a startup Kovi, que realoca os veículos para motoristas de aplicativos como Uber e 99.
A General Motors tem planos de entrar no ramo, também por meio de seu banco, mas só no segmento de frota corporativa. “Não vamos competir com as locadoras”, adianta o presidente da empresa, Carlos Zarlenga. A Nissan é outra que quer atuar no segmento, e avalia se será em locação ou compartilhamento.
Competição
O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, diz que o movimento é parte da transformação do modelo de negócios do setor no mundo todo. “As empresas estão explorando novos negócios na área de serviços com projetos-piloto para ver o que funciona mais”.
Moraes admite que, no caso do aluguel haverá competição com as locadoras. “Se é bom para elas é bom para nós e para o consumidor.” Ele ressalta que há outros segmentos em que o setor estuda atuar, como de conectividade e infraestrutura, por exemplo na área de energia.
Ricardo Bacellar, diretor da consultoria KPMG, lembra que as locadoras apresentam “resultados financeiros maravilhosos”, enquanto as montadoras operam com margens espremidas. “O questionamento do setor é: nós fabricamos o produto essencial para que o negócio da locação exista; por que nós mesmos não podemos fazer parte disso?” Como compram veículos em grande quantidade, as locadoras conseguem descontos de até 35% das fabricantes. Além de obter receita com a atividade principal, após um ano também conseguem retorno com a venda dos carros usados.
Em alta
O presidente da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla), Paulo Miguel Junior, não vê a entrada das montadoras no ramo como “grande problema”. Para ele, o mercado está crescendo e “elas serão mais um player (jogador)”. O faturamento do setor cresceu 15% nos últimos dois anos, para R$ 13,9 bilhões, e a previsão é repetir a alta em 2019.
O número de empresas que atuam na locação cresceu de 11,2 mil em 2016 para 13,2 mil no ano passado. No tamanho da frota o salto foi de 30%, para 826,3 mil veículos. Ainda assim, diz Miguel Junior, o mercado tem muito a se desenvolver pois 80% a 90% das empresas do País ainda têm frota própria.
A Toyota oferece aos interessados todos os modelos de sua linha e luxuosos Lexus, a preços que vão de R$ 190 a R$ 599 a diária, acima do cobrado em várias locadoras. Um dos diferenciais é que há opção de aluguel por hora, não oferecida por locadoras. Fonseca ressalta que “a Toyota não lançou o serviço para competir com as locadoras, mas para atender às necessidades dos clientes; é um complemento para o nosso cliente que está em busca de mobilidade”.
Bacellar ressalta que a locação será uma nova linha de receita para as montadoras, mas é preciso correr, pois, globalmente, empresas de tecnologia também estão de olho nesse mercado. Exemplo citado por ele é o da gigante de comércio eletrônico Amazon, que em junho iniciou projeto-piloto de locação de carros na Espanha. “Esse tipo de empresa tem capital de sobra para investir, enquanto as montadoras não”, diz. Para o consultor, uma solução seria as montadoras formarem um consórcio e oferecer diferentes marcas aos consumidores.
Outro serviço em que as montadoras apostam é o de gerenciamento de frotas. A PSA Peugeot Citroën iniciou nesta semana teste com um serviço chamado de Connect Fleet direcionado a todas as marcas de veículos. Opera por telemetria e é o primeiro da divisão global de mobilidade do grupo, a Free2Move, a ser introduzido no País. Outros devem chegar no futuro, como locação e compartilhamento. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva e André Ítalo Rocha)