Fraca, indústria nem vai atrás de crédito

O Estado de S. Paulo

 

Em um ambiente de fraqueza da economia e alta ociosidade nas linhas de produção, a indústria brasileira pouco recorreu ao crédito no início de 2019. Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), ao qual o ‘Estadão/Broadcast’ teve acesso, mostra que seis de cada dez empresas industriais não procuraram renovar operações de crédito ou contratar novos financiamentos no primeiro trimestre do ano. No caso do crédito de longo prazo, o porcentual é de 66%.

 

Para esse levantamento, a CNI ouviu 1.770 indústrias em todo o País. Por trás do alto índice de empresas que não buscaram crédito no começo de 2019 estão os custos elevados das operações e a própria fraqueza da economia brasileira, que inibe investimentos.

 

“Entendemos que as empresas foram desestimuladas. Elas não sentiram necessidade de pedir a renovação ou contratar um novo crédito, porque as condições não eram adequadas para o negócio”, avalia o economista Flávio Castelo Branco, gerente executivo da unidade de Política Econômica da CNI.

 

Segundo ele, isso ocorreu porque o custo do empréstimo era alto ou porque os negócios na indústria não estavam em um ritmo mais intenso, que exigisse financiamentos.

 

O levantamento da CNI mostra que os juros elevados cobrados pelos bancos são o principal problema apontado pelas empresas. Em operações de curto prazo, 80% das indústrias citaram o juro como uma dificuldade. Em segundo lugar, aparece o prazo reduzido da operação de crédito, com 36% das citações.

 

Nas linhas de longo prazo, entre as dificuldades apontadas pelas indústrias para obtenção de crédito estão os juros elevados, com 76% de citações, e a exigência, pelos bancos, de garantias reais para fechar um empréstimo, com 46% das menções.

 

Para o economista da CNI, os números indicam que a queda da Selic (a taxa básica de juros) nos últimos anos ainda não chegou totalmente às empresas na ponta final do crédito.

 

A Selic vem recuando no Brasil desde outubro de 2016, quando estava em 14,25% ao ano. No mês passado, o Banco Central anunciou um novo corte da taxa, para 5,50% ao ano – o menor patamar da série histórica.

 

Os números do BC mostram que, de fato, desde outubro de 2016, quando começou a queda da Selic, as taxas cobradas de empresas também recuaram. Naquela época, a taxa média de juros em operações com pessoas jurídicas estava em 30,4% ao ano, considerando o chamado crédito livre – aquele que não utiliza recursos da poupança e do FGTS. Em agosto de 2019 – dado mais recente –, o juro médio já estava em 18,9%.

 

Ainda assim, o custo de financiamento para as empresas é considerado elevado. “Como o spread no Brasil é alto, essas taxas de juros ainda são muito superiores para as empresas ao que é verificado em outros países”, pontuou Castelo Branco. O spread representa a diferença entre o custo de captação dos bancos e o que é efetivamente cobrado da empresa na ponta final.

 

Fraqueza econômica. Especialista no mercado de crédito, a economista Isabela Tavares, da Tendências Consultoria Integrada, avalia que os juros no País, apesar da queda recente, ainda estão em níveis altos na comparação com outros países. Além disso, o crescimento da economia segue fraco, o que limita a busca por crédito por parte das empresas, como sugere o levantamento da CNI. “E ainda temos a incerteza, que se relaciona muito com o ambiente político”, afirma Isabela. “Isso limita o investimento por parte das empresas.”

 

Após apresentar forte retração de 2014 a 2016, a produção industrial cresceu 2,5% em 2017 e 1,0% em 2018 no Brasil. Para 2019, porém, as estimativas do mercado financeiro já apontam para uma nova queda, de 0,65%.

 

Para Castelo Branco, as dificuldades da indústria passam pela baixa produtividade, em um ambiente de problemas tributários do País, dificuldades de logística, burocracia em excesso e alto custo para se financiar. (O Estado de S. Paulo/Fabrício de Castro)