O Estado de S. Paulo
A produção industrial de agosto veio acima das expectativas do mercado, tanto em relação a julho, com dessazonalização (0,8% ante a mediana de 0,2% do Projeções Broadcast), quanto em relação a agosto de 2018 (-2,3%, contra mediana de -3,15%).
Sempre é um alívio um indicador melhor que o esperado, mas a recuperação industrial no Brasil segue muito instável.
Como nota Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências, o bom resultado foi muito concentrado, com uma alta de 6,6% da indústria extrativa em agosto, em relação ao julho (dessazonalizado).
Ele cita também a alternância de resultados bons e ruins que têm caracterizado a indústria na claudicante retomada econômica brasileira. Campos Neto lembra que há uma tendência global de desaceleração do setor industrial, ligada em parte à guerra comercial entre Estados Unidos e China.
No caso do Brasil, há o fator negativo adicional da crise argentina que, via redução de importações, afeta o setor automotivo brasileiro e outras cadeias entrelaçadas com o tecido industrial do país vizinho.
Luana Miranda, economista do Ibre/FGV, também toma o resultado da indústria em agosto com vários grãos de sal.
O crescimento na margem (contra julho) da indústria total e do segmento de transformação (0,2%) ocorre depois de três meses de queda. Já no caso da indústria extrativa mineral, a alta de 6,6%, na mesma base de comparação, faz parte do quadro de retomada pós-Brumadinho.
Quando se olha a comparação interanual (mês contra mesmo mês do ano anterior), entretanto, o quadro permanece bastante difícil, como observa Luana. Em agosto, a indústria de transformação registra recuo de 2,3% e a extrativa mineral, de 1,7%.
No caso da transformação, Luana indica que “só três entre 26 atividades cresceram, é pouquíssimo”.
Por outro lado, a economista diz que “a boa notícia é que a indústria extrativa-mineral está se recuperando muito bem” – no caso, basicamente do desastre de Brumadinho. Em abril, aponta, o recuo na comparação interanual foi de 23%!
Para setembro, a primeira projeção da produção industrial do Ibre é de alta interanual de 2,7%, puxada por dois dias úteis a mais (em relação ao mesmo mês de 2018), pela base depreciada pelo impacto da crise argentina no ano passado, e por indicações das sondagens de confiança um pouco melhores para a indústria de transformação. Mesmo com o resultado positivo em setembro, a indústria total deve fechar no negativo (-0,7%) no terceiro trimestre, em termos interanuais.
De qualquer forma, ela alerta, a projeção para setembro pode mudar quando tiverem sido divulgados mais indicadores antecedentes, como dados da Anfavea e a produção de papelão ondulado.
Em termos da indústria no PIB, o terceiro trimestre deve ter recuo de 0,9% na comparação interanual e queda de 1,2% na margem, com dessazonalização, segundo as projeções do Ibre. Porém, puxado pelos serviços, o PIB deve crescer 1,1% no interanual e 0,5% na margem.
Um possível resumo da história é que a economia continua sua lenta recuperação, mesmo com o freio da indústria, que é um fenômeno com componentes globais e, no caso brasileiro, regionais (Argentina).
A boa notícia é que o desempenho industrial pelo menos não está piorando na margem e, no caso da extrativa mineral, está se recuperando rapidamente.
Mas a incerteza persiste. Seriam necessários vários meses de resultados positivos para mudar fundamentalmente o quadro da indústria no Brasil. (O Estado de S. Paulo/Fernando Dantas, colunista do Broadcast)