O Estado de S. Paulo
Atentas à migração global do carro à combustão para o elétrico, startups brasileiras querem ser protagonistas da produção local desse tipo de veículo, enquanto as grandes montadoras ainda estudam a viabilidade de nacionalização e começam a trazer modelos importados para testes de aceitação dos consumidores.
Alguns projetos nessa linha já surgiram e sucumbiram, mas pelo menos três empresas começam a colocar seus modelos nas ruas. São minicarros, quadriciclos e triciclos voltados principalmente ao transporte compartilhado, em princípio para atender nichos do mercado.
A Gaia, com linha de montagem compartilhada em Cotia (SP) e Manaus (AM); a Mobilis, de Palhoça (SC); e a eiON, de Pinhais (PR) não têm pretensão de serem montadoras, mas sim empresas de tecnologia com agilidade para desenvolver produtos sustentáveis, simples, acessíveis e com alto nível tecnológico.
O triciclo Gaia, que deve chegar ao mercado no fim do ano, é um intermediário entre moto e minicarro. Tem chip de internet integrado e aplicativo próprio de compartilhamento. A chave é digital, acionada por senha no smartphone. Pode ser carregado em tomada comum, sem depender de infraestrutura própria.
Segundo Ivan Gorski, fundador da Gaia Eletric Motors, com uma carga de 8 horas o veículo tem autonomia para rodar 200 km. “O custo médio para essa quilometragem é de R$ 8, cerca de 20 vezes mais eficiente que a gasolina.” Até agora, mais de 100 pessoas pagaram R$ 300 para ter preferência na lista de pré-venda. Neste ano, ele pretende entregar de 20 a 30 unidades.
O público alvo de Gorski, no entanto, são empresas que queiram usar o veículo para prestação de serviços e entregas, ou uso compartilhado em cidades de pequeno porte, nas quais serviços como Uber e Cabify não chegaram. “Há foco na mobilidade em grandes capitais, mas estamos pensando em cidades satélites.” O Gaia leva duas pessoas e custa R$ 80 mil, valor que daria para comprar, por exemplo, um Jeep Renegade com motor flex. O retorno do investimento, diz o Gorski, é rápido pela economia com combustível e manutenção. Segundo ele, 60% dos itens do Gaia são importados, entre os quais o conjunto da bateria e o motor elétrico.
Gorski trabalhou no UOL, Yahoo! e LinkedIn. A Gaia, criada oficialmente em 2018, tem oito sócios, passou por duas rodadas de investimentos e hoje é avaliada em R$ 10 milhões.
Quando o assunto sobre carros elétricos começou a se popularizar, há quatro anos, o engenheiro mecânico Mahatma Marostica, que por muitos anos trabalhou no setor automotivo, viu oportunidade de empresas de pequeno porte se inserirem nesse mercado mais rapidamente do que a “indústria clássica”, que costuma levar mais tempo para se posicionar. Talvez por isso, diz ele, a Tesla tenha crescido tão rápido.
Com três sócios, ele criou a Mobilis e desenvolveu em 2018 um carro experimental para uso de vizinhança – locais delimitados como condomínios, universidades, resorts, indústrias, parques e campos de golfe. Trata-se do Li (o nome vem de lítio, principal matéria-prima para a bateria).
Foram vendidas 10 unidades do modelo por R$ 60 mil cada, das quais oito foram entregues no início deste ano. Por circular só em áreas privadas, a versão dispensa itens como airbags e freios ABS. O modelo carrega duas pessoas, pode ser personalizado e sua velocidade máxima é de 40 km/hora. O carregamento é feito em qualquer tomada, em 6 horas como padrão e 3 horas como opcional. Há ainda opção para carga em 1,5 hora.
Nesta fase, foram investidos R$ 2,4 milhões com capital próprio e de investidores anjo. “Estamos prestes a captar uma rodade de investimentos de R$ 6 milhões para a versão de rua, o Li DR. A homologação para início de produção deve sair em 2020”, diz Marostica. No processo de pré-venda do modelo de rua, que atenderá as normas de segurança, houve 600 inscrições.
O Li será equipado com um tag, chip para abrir e fechar portas, que permite rastreamento e agendamento de uso pelo celular. Entre as vantagens sobre um carro popular a gasolina ele cita economia de 80% com combustível (hoje equivalente a R$ 12 mil ao ano), 70% de redução com manutenções, 95% de redução de ruídos e 100% nas emissões de poluentes.
A ideia, diz ele, é ter também um modelo para quatro passageiros e opções de autonomia de 100 km a 160 km. Os preços, em princípio, devem ir de R$ 70 mil a R$ 75 mil. No momento, ele diz que o modelo de negócio, que poderá ser de locação por assinatura. Em custo, 70% dos equipamentos são nacionais. A célula e o carregador da bateria, importados da China, representam os outros 30%.
“Estamos sempre em busca de mais fornecedores locais”, diz Marostica. Ele e outros fabricantes discutem a criação da Associação dos Fabricantes de Veículos Elétricos Nacionais, com objetivos como a customização de componentes e compras conjuntas para baratear preços.
Desde o mês passado fazendo parte da Incubadora do Sistema Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), a eiON, criada pelo engenheiro eletricista Milton Francisco dos Santos Jr. há menos de dois anos, tem como foco inicial vender seu Buggy Verde, apresentado em outubro, para cooperativas de bugueiros do Nordeste para passeios turísticos.
O nome da empresa é resultado da junção das iniciais das palavras elétrico, inteligente e online. Por enquanto, a bateria do veículo para dois passageiros é adquirida de uma empresa de Curitiba que importa as células e monta o equipamento. Como o custo é alto e a escala ainda é pequena, o preço indicativo do Buggy Verde é de R$ 119 mil. Santos estuda a produção local das baterias e busca investidores para o projeto. A intenção é oferecer diferentes opções de autonomia – de 50 km a 300 km. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)