O Estado de S. Paulo
Responsável por três projetos de eVtols (veículo elétrico de decolagem e pouso vertical, na sigla em inglês) na Airbus, Eduardo Dominguez Puerta vê com descrédito promessas de “carros voadores” operando nos próximos cinco anos. “Se não fizermos dessa forma (sem pressa), esse negócio pode nunca emergir. Quando houver um acidente, isso pode fazer com que o mercado se feche para todos”, disse ao Estado o espanhol que dirige a área de mobilidade urbana aérea da Airbus.
A fabricante europeia de aeronaves tem uma startup de compartilhamento de voos de helicópteros, a Voom, que já opera em São Paulo. A empresa deve usar as informações sobre mobilidade urbana aérea colhidas pela startup no seu projeto de transporte por eVtols. Com base nessa experiência, Dominguez destaca que São Paulo deve ser uma das primeiras cidades a ter “carros voadores”.
A Airbus tem três projetos de eVTOLs. No que eles diferem?
Dois são mais tecnológicos e realistas no médio prazo, similares a aeronaves – são o Vahana e o CityAirbus. O primeiro é um avião de um passageiro, autônomo e com asas. Já o segundo é um helicóptero para quatro pessoas. São formatos diferentes, que fizemos de propósito para aprender com coisas diferentes. Provavelmente nossos projetos que chegarão a ser comercializados serão uma mistura do que aprendemos com esses dois. Além disso, exploramos um conceito com a Audi, o Pop.Up. Nesse projeto desenvolvemos um modelo de carro acoplado a um drone. É algo que está bem mais longe.
Quanto tempo vai levar para termos algo como o Pop.Up?
Uns 20 ou 25 anos. O Pop.Up tenta criar um meio multimodal que responde às legislações de um veículo aéreo e terrestre. Hoje ainda estamos construindo os meios de certificação e regulação da parte aérea. Ainda temos de aprender a fazer eVtols que sejam só máquinas voadoras. Uma vez que estejam maduros, podemos pensar em combiná-los com carros. Mas vai demorar.
O Uber fala em voar comercialmente em 2023. A Airbus levará mais tempo?
Se você falar com Boeing e Embraer (parceiras do Uber), elas também não falam nessa data. De um lado, vejo otimismo em startups e em empresas que nunca desenvolveram um avião. Do outro, gente com experiência em aviões e os reguladores, que são mais conservadores. Não há base regulatória para esse tipo de veículo. Não vou me comprometer com datas, porque depende da colaboração com os reguladores.
Quanto demorará a regulação?
Até 2025 veremos a regulação e a certificação dos primeiros produtos. Aí, eles poderão ir ao ar. Se não fizermos assim, sem pressa, é um negócio que pode nunca emergir. Quando houver um acidente, o mercado pode se fechar para todos. Quero ser pragmático, porque entendo que o mundo urbano é um mundo em que a segurança é mais importante. São pessoas voando acima de pessoas.
É o fim para os helicópteros?
Não. Helicópteros são ferramentas fantásticas e polivalentes. Não haverá uma canibalização, mas um mercado novo, que os eVtols ocuparão. Está claro que eles serão mais simples em número de peças e arquiteturas. Exigirão manutenção menor. Por isso seu preço e o custo de operação serão mais acessíveis. Mas não dá para esquecer que tecnologias têm custo. Não creio que as tarifas serão muito baixas no curto prazo.
Os primeiros eVtols vão ser realmente autônomos?
A autonomia é muito relevante em aeronaves pequenas, onde o espaço do piloto pode representar entre 25% e 30% das receitas, caso seja substituído por um passageiro. Por isso, nesse mercado, temos de trabalhar em direção à autonomia. Mas não depende da Airbus que os primeiros sejam autônomos, depende dos reguladores. Estamos desenvolvendo tecnologias de autonomia e de pilotagem remota.
São Paulo é um grande mercado de helicópteros. Qual o potencial para eVtols?
Trabalhamos em São Paulo (com a Voom) por uma razão: a cidade é avançada em mobilidade aérea urbana. Acredito que as primeiras aplicações comerciais no mundo de eVtols certificados ocorrerão em São Paulo. A cidade tem ecossistema e aceitação social para isso. Agora, as autoridades têm de ser exigentes, como são com helicópteros, para priorizar a segurança. (O Estado de S. Paulo/Luciana Dyniewicz)