O carro voador vem aí

O Estado de S. Paulo

 

Grandes grupos de aviação, montadoras e startups estão na corrida para colocar no mercado “carros voadores” com a ambição de tirar as pessoas dos engarrafamentos das grandes cidades a preços inferiores aos das viagens de helicópteros. Estão em desenvolvimento pelo menos 140 projetos de eVtol (sigla em inglês para veículos elétricos de decolagem e pouso vertical) envolvendo empresas da Europa, dos Estados Unidos, da Ásia e até do Brasil. Há promessas de que os primeiros voos comerciais ocorrerão nos próximos cinco anos.

 

Embora tratados como “carros voadores”, a maioria dos projetos tem design similar a helicópteros. A grande mudança tecnológica, porém, é que não precisarão de pilotos e serão elétricos. Por serem movidos a bateria, não vão emitir poluentes e farão muito menos barulho do que os helicópteros. A ideia é que o preço do voo, inicialmente, seja cerca do dobro do que cobraria um táxi.

 

Uma viagem do aeroporto de Guarulhos até a avenida Paulista, por exemplo, sairia por R$ 300 em um carro voador, enquanto um táxi cobra cerca de R$ 130. “Mas o veículo voador faria o trajeto em sete minutos e o carro em pelo menos uma hora, dependendo do trânsito”, afirma Renate Fuchs, sócia da Porsche Consulting no Brasil, que realizou um amplo estudo sobre o novo mercado.

 

Por serem mais acessíveis que os helicópteros, as empresas esperam atender demanda alta no mundo. Pelas projeções da Porsche, até 2035 devem estar em operação 23 mil eVtols, sendo 1.050 no Brasil. Segundo Renate, o mercado de passageiros dos táxis voadores deve ser de US$ 32 bilhões, cálculo feito com base nos dados de mobilidade para diferentes cidades considerando critérios como densidade populacional, renda e uso de serviços de helicópteros. O Morgan Stanley aponta que todo o setor de eVtols, incluindo infraestrutura, gerenciamento de frota e softwares movimentará US$ 851 bilhões em 2040.

 

Parcerias

 

O Uber é uma das empresas que mais aposta nesse mercado e pretende lucrar com ele o quanto antes. A companhia fechou parceria com cinco fabricantes de aeronaves para desenvolver eVtols que possam ser incorporados ao seu aplicativo de transporte. A ideia é começar os testes no ano que vem em Los Angeles e Dallas, nos EUA, além de Melbourne, na Austrália. Os voos comerciais ocorreriam a partir de 2023 – prazo considerado apertado até pelas parceiras.

 

A brasileira Embraer é uma das participantes do projeto e apresentou o desenho de seu eVtol em junho. Ainda não há um protótipo, só uma maquete, e a companhia não dá datas de quando terá uma aeronave para testes. Em evento do Uber no mês passado, em Washington, o presidente da EmbraerX (divisão responsável pelos eVtols), Antonio Campello, disse que em menos de uma década a aeronave da empresa estará voando, mas afirmou que os estudos estão em fase “preliminar”.

 

A fabricante de helicópteros americana Bell é outra parceira do Uber, mas, por enquanto, seu projeto é de uma aeronave híbrida, que necessita tanto de baterias como de combustível para voar. O engenheiro chefe da Bell, Carey Cannon, acha improvável que alguma aeronave esteja certificada até 2023. “Um processo de certificação leva, pelo menos, 30 meses. E os reguladores ainda não estão acostumados com o que estamos desenvolvendo.”

 

Diretor do projeto de transporte aéreo do Uber, Eric Allison afirmou acreditar que ao menos uma ou duas empresas estarão com seus táxis aéreos prontos até 2023. Apesar de considerar o prazo apertado, um executivo do setor destaca que o papel do Uber é essencial para que os “carros voadores” virem realidade.

 

Isso porque a empresa está trabalhando, ao mesmo tempo, com fabricantes das aeronaves e com companhias que desenvolverão a infraestrutura necessária para recebê-las – um conceito chamado de “vertipontos”. São locais equivalentes a helipontos, equipados com carregadores de baterias. “Todo o ecossistema precisa estar azeitado”, diz Allison. “Será preciso checar se a demanda estará apta a pagar uma taxa que remunere todos os envolvidos, desde o fabricante da bateria até o dono do local onde a aeronave vai pousar”, acrescenta.

 

Allison diz que, apesar dos 140 projetos em desenvolvimento no mundo, não mais que cinco empresas terão capacidade de fabricar eVtols em massa. A Porsche Consulting aponta que só o custo para desenvolver e viabilizar a comercialização das aeronaves gira entre US$ 500 milhões e US$ 1 bilhão, o que deve barrar muitas startups.

 

Demonstração

 

Há empresas, entretanto, mais otimistas e adiantadas em seus projetos. Entre elas está a alemã Volocopter, cuja aeronave, que leva o mesmo nome, deverá realizar demonstrações públicas no centro de Cingapura até o fim do ano. A startup já fez um teste em 2017 em Dubai e pretende iniciar a primeira rota de transporte de passageiros em 2021, quando espera ter a licença dos órgãos reguladores.

 

Fundada em 2011, a Volocopter já recebeu aportes de cerca de US$ 40 milhões. Entre os investidores está o grupo Daimler, dono da Mercedes-Benz. A montadora alemã afirma que o apoio financeiro está em linha com sua política de participar do desenvolvimento de conceitos de mobilidade inovadores envolvendo conectividade, autonomia, compartilhamento e eletrificação.

 

A japonesa Toyota é outra montadora que colaborou em um aporte de US$ 130 milhões para a Joby Aviation. A empresa aeroespacial americana trabalha na criação de um eVtol para cinco passageiros e preços acessíveis de viagem.

 

Outra montadora, a Audi, é a única que tem um projeto de fato de um carro voador. O Pop.Up, desenvolvido em parceria com a Airbus, é uma espécie de mini automóvel que pode ser acoplado a um módulo aéreo. Já foram feitos testes com protótipo em escala reduzida e, no fim de 2020, será apresentada uma versão em tamanho real. A empresa admite, porém, “que deve levar um longo tempo até que um conceito de táxi modular como esse entre em produção”. Já a Airbus diz não ser possível comercializar um veículo desse tipo em menos de 25 anos (leia mais abaixo).

 

Em maio, a alemã Lilium testou em Munique a decolagem e o pouso vertical de sua aeronave controlada remotamente do solo. Agora, trabalha na transição do voo vertical para o horizontal e acredita que poderá oferecer o serviço em 2025. (O Estado de S. Paulo/Luciana Dyniewicz)