Motor 1
Em 1973, o mundo começou a enfrentar a crise do petróleo. A Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPAEP) anunciou um embargo, interrompendo o fornecimento para todas as nações que apoiavam Israel durante a Guerra do Yom Kippur. O preço do barril de petróleo foi de US$ 3 para US$ 12 no momento do fim do embargo. Como o Brasil importava nada menos que 75% do petróleo que utilizava, a crise também afetou nosso país.
Embora o Brasil começasse a se recuperar após o fim do embargo, em março de 1974, o governo brasileiro retomou uma iniciativa de 1925 para usar o etanol como combustível. Nascia, em 14 de novembro de 1975, o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), decreto que estimulava o uso do etanol como combustível. E o primeiro veículo com motor a álcool foi o Fiat 147, lançado em 1979.
Movendo o veículo estava o motor 1.3 de 70 cv e 11,5 kgfm, acoplado ao câmbio manual de 4 marchas. Os testes na época diziam que chegava aos 137 km/h de velocidade máxima. Para usar o álcool, ele tinha uma taxa de compressão bem maior, de 11,2:1, motivo pelo qual tinha um consumo 30% mais alto. Mas o modelo compensava no bolso, uma vez que o preço do álcool era 50% menor que o da gasolina. Logo ficou famoso e ganhou até um apelido: “cachacinha”.
“Alguns dos colaboradores que trabalharam no carro me confidenciaram que iam para estrada com uma quantidade de combustível e, no caso de uma emergência, abasteciam. Mas quando não encontravam álcool na bomba, pegavam uma garrafa de cachaça e abasteciam o carro. E ele funcionava perfeitamente!”, explica Robson Cotta, um dos engenheiros que trabalhou na calibração do motor do 147 a álcool. O outro motivo que levou ao apelido de “cachacinha” foi o cheiro das emissões, por ter uma quantidade muito grande de material no escapamento, que lembrava o da bebida.
Desenvolver o motor não foi tão fácil assim. “Praticamente todo o sistema de alimentação do motor teve que ficar mais robusto”, diz Ronaldo Ávilla, engenheiro do centro de diagnose da Fiat. “Começando pelo reservatório de combustível, que era chumbado, mas o chumbo tinha porosidade, então trocamos por estanho e, posteriormente, por níquel químico. A bomba não era inversa, e sim mecânica. Como o etanol não tem lubricidade e é muito corrosivo, ele atacava os revestimentos e as borrachas, então sempre tínhamos que encontrar uma ‘vacina’ rápida para resolver o problema.”
A partida a frio foi um desafio à parte. “Contratamos cabines frigoríficas para testar o carro. Não dava para ir para Campos do Jordão (SP) e ficar esperando a temperatura cair”, lembra Cotta. A solução encontrada para fazer o carro funcionar foi um pré-aquecimento no carburador e um tanquinho de gasolina, que jogava o combustível no motor ao se apertar um botão.
Embora tenha feito sucesso, o 147 a álcool acabou sofrendo nos anos seguintes. O preço do petróleo começou a cair, enquanto o do açúcar subiu, levando os produtores a investir no açúcar no lugar do etanol. Esta mudança fez o álcool sumir dos postos, gerando crise de desabastecimento e fazendo o combustível cair no conceito dos consumidores.
O etanol só foi começar a se recuperar na década de 1990, quando as fabricantes iniciaram o desenvolvimento da tecnologia flex, permitindo abastecer o mesmo motor com os dois tipos de combustível, algo que só chegou às ruas a partir de 2003.
Para comemorar os 40 anos do Fiat 147 a álcool, a Fiat preparou uma surpresa. Além da apresentação, a marca conseguiu uma unidade do primeiro lote de produção do carro, que pertencia ao Ministério da Fazenda e foi para Brasília, onde ficou por 35 anos. Ele ficou guardado na garagem, sem contato com umidade, o que ajudou a conservá-lo. A Fiat fez um comodado com o governo para fazer reparos, trocando o tanque de combustível, pneu, bomba de combustível, filtro, líquido refrigerante, fluído de freio e o carburador. Como é um veículo do governo, ele é inalienável, ou seja, não pode ser vendido e deve ir para o Museu da Fazenda Federal – a Fiat negocia para conseguir adquirir o veículo.
Tive a chance de dar uma volta rápida no 147 dentro da pista de testes da Fiat em Betim (MG). Pela quantidade de pessoas no evento e pelo fato de que a pista continuava funcionando para outros tipos de testes (até vi a mula da nova Strada e o futuro Cronos HGT por lá). Havia dois 147, um com motor 1.0 a gasolina de 55 cv, e o modelo citado acima com o 1.3 a etanol.
A primeira volta foi na versão a gasolina. Aproveito para olhar mais para o carro e lembrar bem do 147. Dá um gostinho de saudades, já que foi o primeiro carro do meu pai e ainda me recordo um pouco de ter andado nele. Os mais jovens diriam que é espartano, já que tem um painel simples, somente um porta-objetos e outras peculiaridades, como o banco traseiro inteiriço.
Hora de começar a dirigir. Espero a pista esvaziar e começo a andar. Logo ao entrar na reta, o assessor da Fiat que acompanhava o teste brincou: “Pisa fundo e sinta toda a potência dos 55 cv da época.” Para quem dirige carros mais antigos, ou pelo menos teve a oportunidade de fazê-lo, sabe o quanto a experiência é muito mais direta. Você sente tudo acontecendo ao pisar na embreagem, ou ao engatar uma das marchas.
Sem assistências, a direção mostra bem cada movimento feito ao entrar na curva – principalmente nas curvas inclinadas da pista de teste. Como não tinha servo, o pedal de freio é bem mais duro e demora para agir, então as frenagens tem que ser feitas bem antes. A alavanca de câmbio tem curso bem longo e trabalha com varão, que a deixa imprecisa. Às vezes, passava a impressão de ter engatado, embora não estivesse, algo que enganou muita gente.
Quando entrei no modelo a etanol, lembrei que havia um método diferente para ligar (que os mais velhos devem lembrar bem). Giro a chave e piso três vezes de leve no acelerador. O motor começa a vibrar e piso até a metade do acelerador até que o motor estabilize. Se for um dia frio, ainda teria que ter apertado o botão para jogar gasolina. Enquanto o 147 a gasolina estava com um cinto de segurança transversal, o modelo a etanol usava um abdominal.
Engato a primeira e saio. Logo ao trocar para a segunda marcha, percebo a diferença de potência. Como o carro pesa somente 790 kg e tem uma relação de marchas bem curta, ele acelera com facilidade. Outra particularidade da época, comentada por todo mundo que dirigiu (até os jornalistas mais velhos) era a ausência do espelho retrovisor do lado direito. “Acostumei tanto com os carros atuais que esqueci que era assim”, disse um deles. Fez falta na pista, já que muitos carros passavam rapidamente ao lado do 147.
Desde então, a tecnologia melhorou muito. Não temos mais carros movidos exclusivamente a etanol, mas isso mudará em breve. A Fiat trabalha em um novo motor a etanol, com o argumento de que 80% de suas emissões de poluentes são reabsorvidas pelas plantações de cana de açúcar e que é possível melhorar ainda mais o motor para que consiga acabar, ou ao menos diminuir a diferença de 30% no rendimento em comparação à gasolina. Será que veremos um Argo a etanol fazendo história como foi o caso do Fiat 147? (Motor 1/Nicolas Tavares)