O Estado de S. Paulo
Montadoras terão de remanejar planos de investimentos pensados para o mercado regional e melhorar a competitividade para se adaptar ao acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. Mesmo diante de desafios, executivos do setor acreditam que o pacto será benéfico. Livre-comércio entrará em vigor em 15 anos.
O acordo comercial entre Mercosul e União Europeia cria um “senso de urgência” para que a indústria automobilística brasileira busque competitividade e tenha produtos para atender o consumidor europeu, segundo executivos das montadoras instaladas no País. Para eles, as empresas precisam desenvolver planejamento estratégico para as exportações futuras e trabalhar, em conjunto com o governo, num tripé que envolva crédito para exportação, logística e questão tributária.
Embora o livre-comércio só entre mesmo em vigor em 15 anos, desde já a indústria local precisa adequar planos de investimento antes pensados principalmente para atender ao mercado regional. “Teremos de transformar a exportação em necessidade, pois a competitividade será questão de sobrevivência”, diz Rogelio Golfarb, vice-presidente de Estratégia, Comunicação e Relações Governamentais da Ford América do Sul.
Na questão do crédito, será preciso avaliar custo, disponibilidade e velocidade de concessão por parte do setor financeiro, diz ele, ressaltando não se tratar de crédito subsidiado. Também é necessário pensar na logística, por exemplo, avançar no transporte por cabotagem, assim como na questão tributária, tema que já é foco das reformas que o governo pretende fazer. “Não podemos exportar tributos”, afirmou.
Sobre a capacidade de ter carros para competir com os europeus, Golfarb cita o EcoSport, utilitário-esportivo desenvolvido no Brasil e produzido também na Romênia (de onde vai para a Europa), China e Índia. “Temos expertise e experiência para desenvolver e produzir veículos de alta tecnologia. Temos competência para vender o projeto, mas não competitividade para vender o produto.”
Cota
Apesar do longo prazo para zerar o Imposto de Importação, assim que o acordo entrar em vigor haverá redução da taxa de 35% para 17,5% para uma cota anual de 50 mil veículos para o Mercosul, sendo 32 mil para o Brasil. Unidades que ultrapassarem a cota continuarão recolhendo os 35%. Após sete anos, as taxas cairão gradualmente até zerar ao fim dos 15 anos.
Acordos comerciais com países desenvolvidos sempre foram tema delicado para a indústria automobilística brasileira. O receio era de que a abertura do País resultasse na invasão de importados com preços atrativos e, como consequência, a produção local perderia sentido.
“O ponto principal é que temos tempo para nos preparar, temos a missão de sermos competitivos nesse período, temos uma data marcada”, afirma o vice-presidente de Comunicação e Relações Públicas da PSA Peugeot Citröen, Fabrício Biondo.
Ele acredita que o Brasil possa ser exportador de veículos a combustão para a Europa, que deve se concentrar na produção de elétricos e híbridos. “Os europeus não terão um mercado 100% voltado para híbridos e elétricos. Podemos aproveitar uma fatia desse mercado e exportar veículos a combustão, usando a tecnologia do etanol e fazendo motores de última geração, com redução de emissões e mais eficiência energética.”
Antonio Sérgio Martins Mello, diretor institucional da FCA Fiat Chrysler, ressalta que o acordo “mudou o ambiente no País” para vários setores que terão de rever estratégias. A FCA, diz, tem plano de investir R$ 16 bilhões até 2024. “Estamos nos preparando para aumentar as exportações, antes com foco na América Latina, mas agora vamos refazer os estudos.”
Híbrido
Para o vice-presidente de Relações Governamentais da Toyota, Ricardo Bastos, o prazo de 15 anos atende ao pleito do setor. “As condições estão bem colocadas e estou confiante de que vamos conseguir.” Ele vê grande oportunidade para a Toyota, que vai iniciar a produção local de veículos híbridos e planeja exportá-los para a Europa.
A UE fica com pequena parte das exportações de veículos e peças do Brasil. Foram vendidos US$ 120,1 milhões para a região no primeiro semestre, 2,6% do total exportado pelo setor. Na via contrária, o País importou US$ 1,06 bilhão, ou 17,8% das compras externas. O mercado brasileiro é dominado pela produção local – só 11% das vendas no são de modelos importados.
Outra avaliação é que o acordo reforça a percepção de que o ensaio sobre competitividade acabou. “Agora há prazos e as macro e micro reformas são uma necessidade real de curto prazo. Saímos do futebol estadual e entramos na Champions League. Temos a chance de ouro”, diz uma fonte do setor. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva e André Ítalo Rocha)