O Estado de S. Paulo/The New York Times
A indústria automotiva vive um período assustador. O motor a combustão interna sofre os ataques do elétrico. Ter um automóvel está se tornando opcional na era do Uber. No mundo inteiro, as autoridades reguladoras multam as companhias que não empreendem esforços suficientes para reduzir as emissões de dióxido de carbono. As vendas globais de automóveis começam a cair pela primeira vez em dez anos em razão da intensificação da guerra comercial deflagrada pelo presidente Donald Trump.
Não admira que companhias como Fiat Chrysler e Renault estudem a possibilidade de unir forças para sobreviver. A decisão da Fiat Chrysler, no dia 5 de junho, de retirar a sua oferta de fusão com a Renault, alegando as exigências do governo da França, é mais um lembrete da complexidade que tal mudança constitui para as montadoras.
A proposta, abortada, de criar a terceira maior montadora do mundo foi uma consequência da ameaça de paralisação para um setor que representa grande parte dos empregos na indústria do mundo inteiro e é crucial para o destino da economia de Estados Unidos, Japão e Europa.
A nova tecnologia está pondo em risco setores como entretenimento, comunicações e varejo, afetando a segurança do emprego de milhões de trabalhadores. E, evidentemente, as montadoras serão as próximas. “Será a maior transformação dos últimos cem anos”, afirmou Erik Gordon, professor de administração de empresas na Universidade de Michigan.
Nos próximos cinco anos, as principais empresas automotivas terão de gastar mais de US$ 400 bilhões no desenvolvimento de automóveis elétricos equipados com a tecnologia que torna automática em grande parte a direção de um veículo, segundo afirma a empresa de consultoria AlixPartners. Elas serão obrigadas a reequipar as fábricas, a dar uma nova formação aos trabalhadores, reorganizar suas redes de fornecedoras e repensar o que representa a posse de um carro.
Para as fabricantes, este investimento é uma questão de sobrevivência. Se não se adaptarem, poderão tornar-se obsoletas. Entretanto, ninguém sabe ao certo se os clientes estão realmente dispostos a pagar pela tecnologia, e se ela trará eventualmente lucros. Os investidores já assinalaram qual será a inovadora Número 1 nesta transformação. O valor da Tesla, a fabricante de automóveis elétricos, no mercado de ações, apesar de todos os seus problemas, é maior do que o da Fiat Chrysler ou a Renault. E a Uber vale mais do que as duas juntas.
O desafio é enorme para a sociedade como um todo. Montadoras como Volkswagen, General Motors ou Toyota são as últimas empregadoras que operam com enormes fábricas onde trabalham milhares de pessoas. No mundo inteiro, oito milhões trabalham para as fabricantes de automóveis, e muitos mais para as companhias que fornecem sistemas de freios, pneus e autopeças em geral.
Agora, os seus empregos estão ameaçados. No ano passado, as vendas globais de automóveis declinaram pela primeira vez desde 2009. A retração pode assinalar o início de uma recessão global em razão da importância da indústria automobilística como catalisador econômico, afirmaram analistas da Fitch Ratings em um recente relatório.
A causa imediata da queda das vendas foi a imposição das tarifas aos produtos chineses determinada no ano passado por Trump, que provocou um congelamento do crescimento das vendas no maior mercado mundial de automóveis. No entanto, em 2018, os consumidores chineses adquiriram 24 milhões de carros, mais do que qualquer outra nação.
Na América e na Europa, as vendas de veículos estagnaram. Hoje, possuir um automóvel tornou-se um luxo. Nas áreas urbanas, as pessoas podem evitar os custos do estacionamento e os gastos com seguro utilizando serviços como o Uber ou o Lyft ou o aluguel de automóveis como a Zipcar.
A flutuação das relações entre consumidores e automóveis foi acelerada historicamente pelo intensificar-se da mudança climática como poderosa questão política, e pela degradação da qualidade do ar nas principais cidades. Os transportes são responsáveis por cerca de 20% das emissões de dióxido de carbono no mundo inteiro.
Agora, os legisladores forçam as companhias automotivas a melhorar a eficiência do combustível e a reduzir as emissões. China, Grã-Bretanha e França lideram uma lista de países que pretendem reduzir gradativamente até 2040 a utilização de automóveis que queimam gasolina ou diesel.
Mas apesar o seu tamanho, montadoras do porte da Fiat Chrysler, Ford e Volkswagen estão em desvantagem contra recém-chegados como Uber ou Dyson, a fabricante de aspiradores, que está desenvolvendo um carro elétrico. O faturamento das fabricantes de linhas antigas ainda depende quase totalmente de automóveis com motores a combustão interna, e elas precisam manter toda uma rede de indústrias que se tornam rapidamente escoadouros de recursos financeiros quando não funcionam com capacidade plena.
As montadoras já constituem dezenas de alianças menores. Este ano, Ford e Volkswagen firmaram acordos para a produção conjunta de vans comerciais e picapes. BMW e Jaguar planejam cooperar a produção de sistemas de direção para carros elétricos. Mas Jim Press, ex-executivo da Chrysler, afirmou que as alianças em grande escala são essenciais “para o caminho do sucesso nesta era de grandes transformações. As companhias não conseguirão fazer isto sozinhas”. (O Estado de S. Paulo/The New York Times/Jack Ewing, com tradução de Anna Capovilla)