O Estado de S. Paulo
Cinco anos após o início da deterioração econômica, que começou em 2014 e deixou 13 milhões de pessoas sem trabalho, nenhum setor produtivo voltou ao nível pré-crise. Ainda assim, há brasileiros que conseguiram contornar o desemprego.
Depois de perder o emprego de 24 anos, o engenheiro eletricista decidiu investir na franquia de uma loja de bolos. Hoje ganha o dobro do salário de antes e planeja abrir outra unidade, Nilo Valverde – franqueado.
Ser demitida após a licença maternidade deixou a contadora “sem rumo”. A saída foi empreender. Agora ela comemora o crescimento de sua cafeteria, Andréia de Almeida Felice – comerciante.
O vendedor viu a perda do emprego como um “empurrão” para trabalhar por conta própria. Como motorista de aplicativo, consegue pagar plano de saúde e contribuir para o INSS, Thiago Fernandes – autônomo.
Passados cinco anos do início da deterioração econômica brasileira – o trimestre entre abril e junho de 2014 foi o primeiro da recessão –, nenhum setor produtivo voltou ao patamar pré-crise. Na mais lenta retomada da história do País, a construção civil ainda está 27% aquém do registrado no começo de 2014 e a indústria, 16,7%. Um pouco menos atingidos, serviço e varejo também sofrem para se recuperar e estão em níveis 11,7% e 5,8% inferiores ao de 2014, respectivamente.
O processo é tão vagaroso, com frustrações de expectativa de crescimento trimestre após trimestre, que economistas têm tido dificuldade para explicar o que ocorre no País. “Há uma diversidade de diagnósticos. Quando se tem isso, é porque ninguém está entendendo direito o que está acontecendo – o que é raro de se ver”, diz o economista-chefe do Banco Votorantim, Roberto Padovani.
Um dos mais recentes diagnósticos para a situação brasileira é do ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore. Para o economista, o País está em depressão, pois o PIB per capita cresceu de forma insignificante nos últimos dois anos (0,3% em cada ano) e deve terminar 2019 no mesmo nível de 2018. Isso significa que, em dezembro deste ano, o indicador estará 8% abaixo do registrado antes da recessão.
“O conceito que estou usando (para definir depressão) é o de PIB per capita, que mostra que a população empobreceu e continua pobre. As perspectivas de crescimento deste ano indicam que isso não vai mudar”, diz.
Se o PIB voltar a crescer a uma taxa de 2% no próximo ano, o PIB per capita atingirá o nível anterior à recessão em 2026, ou 13 anos após o início dela. Na crise de 1988, essa recuperação levou nove anos. Decepções. O fato de a recessão ter sido a mais profunda da história e ter gerado uma grande ociosidade na indústria, o que torna investimentos quase desnecessários, é apontado como um dos motivos para a retomada ser tão lenta. “Havia a ideia de que a mudança do ciclo político (com a chegada de Michel Temer à Presidência, em 2016) daria um choque de confiança e melhoraria a situação. Mas houve uma frustração, porque a ociosidade era tão grande que mesmo os mais otimistas não investiram”, diz Padovani. Em 2016, o economista previa que o PIB levaria dois anos para voltar ao patamar do fim de 2014; a lentidão da recuperação, porém, empurrou a projeção para 2021.
Além da ociosidade, surgiram neste ano novos ingredientes que têm retardado a recuperação ainda mais. O economista Claudio Considera, do Ibre/FGV, coloca a instabilidade política como uma das responsáveis pela frustração das expectativas em 2019. A falta de coordenação do governo, afirma ele, assusta o investidor estrangeiro – um dos poucos agentes econômicos que poderiam injetar capital na infraestrutura brasileira e movimentar a atividade, dado o elevado nível de endividamento do governo e o fato de grandes empreiteiras ainda sofrerem os impactos da Lava Jato.
“A agenda de costumes do governo Bolsonaro não traz avanço para a economia. Só produz barulho desnecessário. Decisões desfeitas também. Essas trazem insegurança jurídica. O presidente não pode falar de tsunami”, diz Considera.
A instabilidade política impede, ainda, o avanço da reforma previdenciária, vista como essencial para organizar as contas públicas. “A economia não cresce porque há incerteza em relação à trajetória fiscal, e isso passa pela reforma”, afirma o economista-chefe do BNP Paribas para a América Latina, José Carlos Faria.
Sócia da consultoria Tendências, Alessandra Ribeiro cita ainda como freio à economia em 2019 a desaceleração global, a tragédia de Brumadinho, que reduzirá a produção nacional de minério de ferro em 6,5% neste ano, segundo estimativa da própria economista, e à crise na Argentina, que reduziu suas importações do Brasil.
Incertezas
“Há uma diversidade de diagnósticos. Isso ocorre porque ninguém entende o que está acontecendo” Roberto Padovani. economista-chefe do Banco Votorantim.
País pode estar a caminho de nova recessão, diz banco Safra
As frustrações sucessivas com o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) podem indicar que a economia do País está passando por mudanças estruturais que não haviam sido consideradas em um primeiro momento, segundo o economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall. Uma dessas possíveis alterações, diz ele, seria no padrão de consumo da população. Após ter ficado muito endividada durante a crise, parte dos brasileiros pode estar poupando mais. “É possível que esteja acontecendo (no Brasil) algo semelhante ao que ocorreu nos EUA (depois da crise de 2008). O americano voltou a padrões de poupança que se via nos anos 90”. O economista também fala em redução dos juros A seguir, trechos da entrevista.
Como o sr. define a situação econômica? Podemos estar em recessão técnica (dois trimestres consecutivos com PIB negativo)? É uma reação muito lenta. O crescimento era muito fraco e piorou. Existe risco de recessão técnica, claro. Estamos errando (as projeções de crescimento) há muito tempo. São vários anos achando que a economia iria melhorar. Por isso, (a crise atual) pode ter a ver com coisas mais estruturais.
Que questões estruturais? Um ponto é a poupança da família, que pode levar a uma propensão menor a consumir. É possível que esteja acontecendo algo semelhante ao que ocorreu nos EUA (depois da crise de 2008). Quando você tem um ciclo de expansão de renda e crédito muito acentuado, cria uma sensação de que o bem-estar está garantido e facilita decisões de “despoupança”. Na crise, a reação é retrair o gasto. Hoje o americano voltou a padrões de poupança que se via nos anos 90. Há duas hipóteses: uma explicação cíclica – quando o mercado de trabalho melhora, a pessoa poupa menos – ou pode haver um aprendizado. Nesse caso, quem levou um tombo, ficou inadimplente, vai ter um padrão de consumo mais prudente. É possível que isso esteja acontecendo. Tem também a questão dos juros mais baixos. A mudança (na política econômica desde 2016) pode indicar um novo equilíbrio macroeconômico, com juros de equilíbrio mais baixo. Com juro mais baixo, a política monetária estaria estimulando pouco (a economia). Nesse sentido, achamos que a Selic (a taxa básica de juros, hoje em 6,5%) pode cair para 5,5% até o fim do ano. Mas tem de esperar pelo menos a aprovação da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados.
No fim do ano, o mercado e os economistas estavam bem mais otimistas. O risco político foi subdimensionado?
Acho que sim, mas isso não explica o erro todo do PIB. Nós tínhamos uma previsão de 2,7% (de crescimento para 2019) e agora caiu para 1%. É muita coisa para ser só incerteza política. Mas é verdade que houve otimismo dentro de uma percepção de que a aprovação da reforma da Previdência seria mais rápida. (O Estado de S. Paulo/Luciana Dyniewicz e Carlos Kawall)