O Estado de S. Paulo
A Máquina que Mudou o Mundo é o título de livro escrito por James P. Womack, Daniel T. Jones e Daniel Roos, provavelmente o mais difundido entre aqueles que apreciam a história da indústria automobilística. É conhecido, também, Iacocca, uma Autobiografia, escrito por Lee Iacocca em parceria com Willian Novak, cuja leitura se recomenda a jovens engenheiros. Relata os anos em que Iacocca trabalhou para Henry Ford II e as experiências vividas no interior da grande empresa, onde se projetou como executivo e criador do automóvel Mustang, em 1964.
A indústria das indústrias, como a denominou Peter Drucker, surgiu no início do século 20, quando Henry Ford evoluiu da oficina artesanal para a produção em massa, introduzindo a linha de montagem e a intercambialidade de componentes e peças, para permitir que se substituíssem e se ajustassem facilmente entre si. Com a criatividade que fez dele um dos pais da 2.ª Revolução Industrial, Henry Ford projetou máquinas-ferramentas e treinou milhares de empregados na operação dos novos equipamentos. Na década de 1920, da fábrica instalada em Detroit saíam anualmente 2 milhões de veículos exatamente iguais cujos preços haviam sido reduzidos graças a inovações no processo de fabricação.
No Brasil a Ford desembarcou em 1919, instalando-se num armazém na Rua Florêncio de Abreu, de onde se mudou um ano depois para a Praça da República. Em 1921 começou a funcionar a primeira linha de montagem do automóvel Modelo T e do caminhão modelo TT, na Rua Sólon, no Bom Retiro. Em 1953 a Ford transferiu-se para a Vila Prudente e, em 1967, para São Bernardo do Campo. Trajetória semelhante à da Ford percorreu a General Motors do Brasil, cujos veículos chegam ao País no início do século 20. A subsidiária brasileira foi fundada em 1925. Em 2018 produziu um total de 466.425 automóveis e veículos comerciais leves, nas fábricas de São Caetano do Sul, São José dos Campos e Gravataí.
Para a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a poderosa entidade em que se congregam mais de duas dezenas de montadoras de automóveis, veículos comerciais leves, ônibus, caminhões e de máquinas agrícolas e rodoviárias, a história da indústria automotiva é mais recente. Começou em 16 de agosto de 1956, quando “o então Presidente da República Juscelino Kubitschek formalizou a criação do Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia), com o objetivo de estimular a fabricação local e não somente a montagem de veículos no Brasil”, conforme se lê na revista comemorativa do cinquentenário, editada em junho de 2006.
A evolução do segmento automotivo brasileiro pode ser avaliado com a leitura dos Anuários publicados pela Anfavea. Partindo de um total de 30.542 veículos montados em 1957, com apenas 9.773 empregados, chegou a 3.712.736 em 2013, empregando 156.970 trabalhadores e gerando algo em torno de 15 milhões de empregos indiretos. Abalada pela crise econômica no governo Dilma Rousseff, em 2018 a produção retrocedeu para 2.879.809 unidades com 130.451 empregos diretos. Hoje o Brasil ocupa a sexta posição em número de veículos por habitantes, a oitava pelo tamanho da frota e a nona em volume de produção. Padece, todavia, de inferioridade no mercado externo, do qual participa com míseros 2,3%, tendo como importadores a Argentina, o Paraguai e países africanos.
Reportagem da jornalista Cleide Silva publicada no caderno de Economia do Estado (25/3, pág. B5) revela que, capacitado para produzir 139,7 milhões de automóveis e veículos comerciais leves, o setor automotivo mundial padece de ociosidade estimada em 40%. Faltam compradores para cerca de 42 milhões de veículos. Recentemente a General Motors e a Ford divulgaram que deixariam o Brasil. Afortunadamente, o desastre não deverá concretizar-se. É necessário registrar, todavia, que manter em linha de montagem produtos invendáveis pela qualidade e pelo preço contraria a lógica do capitalismo, cujo objetivo se concentra no lucro.
É doloroso saber que milhões de famílias são vítimas de prolongado desemprego, com a economia ainda estagnada homens e mulheres engrossam as fileiras dos sem-salário. Que fazer? Essa é a pergunta que nos aflige. O mercado é entidade indefinível, incorpórea, temperamental, volúvel, exigente. É o senhor imprevisível dos destinos da economia e das empresas, rebelde ao comando da lei e das instituições políticas. No mercado prevalece a teoria da seleção formulada por Darwin: sobrevivem os fortes e capazes, fracos e incompetentes estão condenados a desaparecer.
A indústria automotiva espalhou-se pelo mundo. Entre os grandes produtores, o Brasil estacionou em posição de inferioridade, superado pela China, por Estados Unidos, Japão, Alemanha, Índia, Coreia do Sul, México, Espanha. A China saltou, em número de veículos produzidos, de 2,06 milhões em 2000 para 29,015 milhões em 2017. No mesmo período o Brasil cresceu de 1,691 milhão para 2,737, ou seja, pouco mais de 1 milhão em 17 anos. Fenômeno semelhante ao da China registra-se na Índia, com 801 mil veículos em 2000 e 4,783 milhões em 2017.
Acredita-se que indústria das indústrias superará a crise. Dela dependem a receita da União, a retomada do desenvolvimento, o crescimento do produto interno bruto e algum sucesso no combate ao desemprego. Embora nenhuma empresa necessite de 500 mil empregados, como tinha a Ford na década de 1970, o setor automotivo nacional destaca-se como grande empregador. A paralisação de uma fábrica, embora de pequeno porte, resulta em irrecuperável perda para o mercado de trabalho, debilitado pela onda de desemprego.
Grande empregador, acredita-se que o setor automotivo superará a crise atual. (O Estado de S. Paulo/Almir Pazzianotto Pinto, Ex-ministro do Trabalhoe Ex-ministro do Tribunal, autor de “30 Anos de Crise, 1988-2018”)