O Estado de S. Paulo
Dona do maior PIB catarinense, na casa de R$ 25 bilhões, segundo dados mais recentes do IBGE, a cidade de Joinville é conhecida por sediar fábricas de empresas como Tigre, Siemens, Whirpool e Döhler. Essa vocação industrial, porém, tem mudado nos últimos tempos, com o surgimento de startups pela cidade – caso da Conta Azul, empresa de contabilidade que tem sido apontada como um dos potenciais unicórnios (empresa avaliada em mais de US$ 1 bi) do País. Desde março, essa nova identidade do município tem um lugar para chamar de seu: o Ágora Tech Park.
Com investimento de R$ 120 milhões, o Ágora Tech Park ocupa uma área de 140 mil m². O espaço pretende ser o centro do ecossistema da cidade: lá, ficarão a nova sede da Conta Azul, um campus local da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o Ágora Hub, uma área de convivência e desenvolvimento para empresas iniciantes de tecnologia, com cerca de 7 mil m².
Mais que só um condomínio, o Ágora Tech Park tem sido visto como a peça que faltava para transformar a vocação da cidade. “A indústria brasileira tem baixo nível de inovação. Por outro lado, elas têm poder de investimento, que as startups precisam para sobreviver”, diz Jean Vogel, diretor executivo do Ágora Tech Park. “Queremos agora fazer uma combinação entre esses dois fatores, um trunfo que Joinville tem nas mãos.”
Apostar no empreendedorismo digital não é só uma questão de identidade, mas de necessidade: em 2016, último dado disponível pelo IBGE, as indústrias da cidade tiveram o pior PIB da década, na casa de R$ 6,8 bilhões, queda de 12% na comparação com 2015. Fazer essa parceria entre o setor secundário e a área de inovação, dizem os locais, não deve ser tão difícil: afinal, a cidade tem histórico de sucesso no setor de tecnologia.
Raízes
É o caso da Datasul, especializada em softwares de gestão empresarial – fundada em 1978 por Miguel Abuhab, a empresa foi vendida 30 anos depois para a Totvs por R$ 700 milhões. A empresa fomentou a criação de cursos de computação em faculdades da região: Abuhab chegou a doar computadores para as instituições de ensino, com a condição de que elas ensinassem as linguagens de programação usadas pela Datasul.
“Empreender em Joinville é ótimo porque as empresas tradicionais de software abriram caminhos”, diz o empreendedor Piero Contezini. Ele é um veterano na região: nos anos 2000, foi dono de uma fábrica de software, a Informant. Um dos programas da empresa, voltado para contabilidade, acabou gerando a Conta Azul, fundada em 2011 por Piero e outros sócios. Hoje, a startup liderada por Vinicius Roveda tem milhares de clientes no País e fechou 2018 com 450 pessoas – boa parte deles estão nos 9 mil m² que a empresa ocupa no Ágora Tech Park.
Contezini, porém, não ficou muito tempo na ContaAzul: em 2014, ele fundou a Asaas. Especializada no gerenciamento de boletos bancários para profissionais liberais e pequenas empresas, a Asaas já levantou R$ 11 milhões em rodadas de financiamentos e atende 15 mil clientes em todo o País.
Da Conta Azul também surgiu a Transfeera, que faz gestão e processamento de pagamentos automatizados e foi fundada por três ex-funcionários da Conta Azul, em 2017. De lá para cá, a empresa levantou cerca de R$ 250 mil em aportes e tem hoje 90 clientes – muitos deles, empresas locais. “Como há muitas possibilidades de negócio com a indústria, é natural que muitas startups surjam com soluções para o mercado corporativo”, diz Guilherme Verdasca, cofundador da startup.
É algo que a prefeitura da cidade e o Sebrae local apoiam, direcionando potenciais empreendedores para ideias que atendam à demanda do mercado. “Há três anos fizemos um diagnóstico de quais setores da economia precisávamos atacar para levar a economia de Joinville para o futuro”, explica Danilo Conti, secretário de Planejamento Urbano e Desenvolvimento Sustentável de Joinville.
Desafios
Hoje, a cidade reúne 72 startups – número bem abaixo da capital Florianópolis, que tem 251 empresas no setor, segundo dados da Associação Brasileira de Startups (ABStartups). “Estamos uns dois ou três anos atrás de Floripa, mas estamos crescendo”, diz Tiago Brandes, fundador da Mercos, outro nome de destaque da região. Fundada em 2010, ainda como MeusPedidos, a empresa tem um software que organiza a cadeia de vendas para indústrias e distribuidoras – hoje, a startup tem 120 pessoas e atende 6 mil clientes em todo o País.
Se o cenário é favorável, ainda faltam elementos para o ecossistema local evoluir, dizem fontes ouvidas pelo Estado. Mão de obra especializada na área de computação e investidores acostumados ao universo das startups são dois problemas que a cidade enfrenta – bastante comuns para polos de inovação fora dos grandes centros.
Outra dificuldade é convencer a indústria local a preferir startups da cidade para fechar negócios. “Quando isso acontecer, a roda da nova economia vai girar”, avalia Marcelo de Borba, diretor executivo do centro de inovação local Inovaparq. (O Estado de S. Paulo/Mariana Lima, Giovanna Wolf e Bruno Capelas)