Carros nacionais ficarão mais seguros e mais caros

O Estado de S. Paulo

 

Eles vão ser menos poluentes, mais seguros e mais econômicos. E também mais caros. Os automóveis que serão produzidos no Brasil a partir do próximo ano terão obrigatoriamente itens tecnológicos que vão aproximá-los mais dos modelos globais. Para atender à legislação e ao programa automotivo Rota 2030, a nova geração de veículos será mais equipada e sofisticada. A produção dos chamados carros “populares”, aqueles mais simples e mais baratos, hoje classificados como “de entrada”, será reduzida ainda mais porque a alta tecnologia encarecerá os preços.

 

O segmento “de entrada” já vem encolhendo gradualmente. Em 2000, representava 50% das vendas de automóveis no País e hoje participa com 11,5%. Estão nessa classificação, feita pela Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) modelos como Chery QQ, Renault Kwid, Volkswagen Gol, Fiat Mobi e Toyota Etios, que custam entre R$ 27,5 mil e R$ 50 mil.

 

Para o presidente da Volkswagen do Brasil, Pablo Di Si, “o carro popular não vai desaparecer, mas o segmento vai encolher”. Segundo ele, os próximos lançamentos da marca serão de modelos de segmento superior, como utilitários-esportivos (SUV) e intermediários entre carros de passeio e utilitários (CUV). “Esses segmentos são os que mais crescem no Brasil e no mundo.”

 

Ao receberem mais sistemas de segurança, conectividade e de melhora da eficiência energética, os carros vão ficar mais caros. “Não tem como fazer diferente, a não ser que tivéssemos um volume grande de produção para o mercado interno e exportação para reduzir custos”, afirma Di Si. Em 2014, quando passou a ser obrigatória a instalação de airbag frontal e freio ABS, os preços dos carros subiram entre R$ 1 mil e RS 1,5 mil.

 

Letícia Costa, sócia da Prada Assessoria, confirma que não há como evitar aumento de preços com os novos itens, mas ressalta ser “um dever da indústria encontrar formas de introduzi-los, também para evitar que o Brasil fique extremamente defasado”. Ela acrescenta ainda que o veículo nacional terá mais chances de exportação.

 

Acidentes

 

Segundo balanço do Dpvat – o seguro obrigatório para acidentes de trânsito –, no ano passado 42 mil pessoas morreram no País em acidentes desse tipo. A instalação de novos itens de segurança deve ajudar a reduzir acidentes e a evitar ferimentos nos ocupantes. Testes feitos por entidades como o Latin NCap, o Programa de Avaliação de Novos Veículos para a América Latina e Caribe, comprovam isso.

 

Na lista de itens que serão obrigatórios estão estruturas reforçadas ou airbags laterais para reduzir riscos de ferimentos em batidas laterais, controle de estabilidade eletrônico (ESC, na sigla em inglês) – que corrige a trajetória do veículo em caso de perda de aderência dos pneus em curvas ou em desvios bruscos – e aviso de cinto desafivelado.

 

Esses e outros sete itens serão obrigatórios nos modelos novos (lançamentos) entre 2020 e 2026 e em todos os carros produzidos localmente entre 2021 e 2030. Há oito itens que ainda não têm datas definidas pelos órgãos regulatórios para serem instalados e dois que já começaram a equipar os lançamentos de 2018 (Isofix para fixar cadeirinhas de bebês e cinto de três pontos em todos os bancos) e devem estar em toda a produção a partir do próximo ano ( ver lista).

 

A instalação desses sistemas vai exigir aumento de importação, pois muitos deles, em especial os eletrônicos, não são produzidos no País, o que reduzirá o índice de nacionalização dos carros brasileiros.

 

Nacionalização

 

Por outro lado, há um esforço, ainda discreto, por parte de fabricantes de iniciarem a produção de alguns dos componentes, de olho no aumento da demanda.

 

A Continental vai inaugurar em maio uma linha de produção de ESC, hoje feito no País só pela Bosch. “Como a instalação desse item se tornou mandatória, haverá maior escala e a produção local passou a fazer sentido”, diz o presidente da empresa, Frédéric Sebbagh. Hoje a Continental importa o sistema para fornecer às montadoras.

 

Na fábrica de Várzea Paulista (SP), onde o ESC será produzido, a Continental já faz freios hidráulicos e freios ABS. A capacidade inicial de produção de ESC será de 700 mil a 1 milhão de unidades ao ano, com investimento de ¤ 5 milhões (cerca de R$ 23 milhões). Placas eletrônicas serão importadas, pois não há produção local. Sebbagh vê chances de outros itens serem nacionalizados no futuro.

 

Testes indicam que o ESC reduz em até 38% o número de colisões traseiras, segundo o coordenador técnico do Centro de Experimentação e Segurança Viária (Cesvi), Alessandro Rubio,

 

Outra que inaugura nova linha nos próximos dias é a Joyson Safety System (ex-Takata), que produzirá airbags de cortina (ou laterais), sistema que poderá ser usado para atender norma que determina, a partir de 2020, o reforço nas laterais dos veículos para reduzir riscos de ferimentos em colisões laterais, comuns nos cruzamentos.

 

A Joyson já produz vários tipos de airbags, cintos de segurança e aviso de cinto desafivelado e está ampliando a fábrica de Jundiaí (SP). A capacidade atual de 5 milhões de airbags ao ano será duplicada, afirma Oliver Schulze, diretor de engenharia da empresa. O principal item dos airbags, o gerador de gás, é importado.

 

Estrelas

 

Schulze lembra que, além de atender ao Rota 2030, testes feitos pelo Latin NCAP incentivam as empresas a melhorem os níveis de segurança dos seus produtos. O teste que bate os carros em barreiras concede ao modelo de zero estrelas (inseguro) a cinco estrelas (segurança total), e a nota máxima normalmente é usada pela fabricante no marketing do veículo.

 

Alexandre Pagotto, gerente de Relações Institucionais da Bosch, fabricante de várias autopeças, como freio ABS, diz que a empresa avalia todo ano a possibilidade de produção local de itens importados, mas esbarra no volume. “Com a definição do que será obrigatório, é mais fácil planejar para o longo prazo”. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)